173/20.3JDBRG
Exmº Senhor
Juiz de Direito
Juízo Central Criminal de Braga
Comarca de Braga
Venâncio Manuel Ribeiro Costa Sousa,
arguido, nos termos consentidos pelos artigos 98º e 63º do código de processo
penal, expõe e requer:
O nº 1 do artigo 7º da Lei nº 9/2020, de 10
de abril, impõe o dever de proceder ao reexame dos pressupostos da prisão
preventiva ainda que não tenha decorrido o prazo de três meses após o seu
último reexame, mencionado na alínea a) do nº 1 do artigo 213º do CPP. Tal
obrigação surge em todos os casos em que a medida se acha imposta, mas o
advérbio “sobretudo” reforça-a caso
se verifique algumas das três situações seguintes:
- idade do recluso igual ou superior a 65
anos
- doença física ou psíquica
- grau de autonomia incompatível com a
normal permanência em meio prisional no contexto da covid-19.
É o que deriva da remissão feita para o nº
1 do artigo 3º. É certo que esta disposição, respeitando ao indulto excecional,
apenas consente a sua proposta caso se verifique o pressuposto de idade igual
ou superior a 65 anos a que se deve somar a doença ou a incompatibilidade do
grau de autonomia com a normal permanência em meio prisional. Mas, no quadro do
reexame da prisão preventiva, a intensidade do dever de ele proceder é logo
acrescido desde que esteja presente, pelo menos, uma dessas circunstâncias: o
fator etário, a doença ou a mencionada incompatibilidade.
A alusão à pandemia no nº 1 do artigo 3º
deve entender-se como reportada à doença covid-19 (doença do coronavírus 2019, corona virus disease 2019, que corresponde à enfermidade do
vírus da síndrome respiratória aguda grave 2) referida no nº 1 do artigo 1º.
A idade do arguido é inferior a 65 anos.
Apresenta total autonomia, pelo que não se
coloca a questão de incompatibilidade com a normal permanência em meio
prisional.
É portador de doença, efetivamente, visto
padecer de hipertensão. Ora os hipertensos enquadram-se precisamente naqueles
cidadãos que são especialmente merecedores de proteção relativamente à
covid-19, nos termos do decreto nº 2-B/2020, de 2 de abril.
Assim, deve-se julgar verificada a superior
importância do reexame dos pressupostos da prisão preventiva.
Aqui esgota-se o apuramento da existência
de uma daquelas 3 condições (idade, doença, incompatibilidade). Elas não
respeitam diretamente à reponderação da necessidade da medida, mas apenas à
maior dimensão da incumbência de a realizar. Há que presumir que o legislador
consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em
termos adequados. Assim como é inviável considerar como válido o que não tiver
um mínimo de correspondência verbal com a letra da lei. É o que impõe o artigo
9º do código civil.
Deste modo, no que concerne ao dever de
proceder a reexame, não existe uma delimitação subjetiva, restringindo-a aos
reclusos esecialmente vulneráveis.
Esta reponderação acarreta uma avaliação que irá considerar não só a efetiva subsistência dos requisitos gerais das medidas de coação diversas do termo de identidade e residência, estabelecidos no artigo 204º do CPP, mas também outros elementos que devam ser apreciados, conforme resulta de ter sido empregue o vocábulo “nomeadamente” no nº 1 do artigo 7º. Entre tais parâmetros, contam-se garantidamente a necessidade, a adequação e a proporcionalidade apontados no artigo 193º do CPP. Fica afastada a intervenção do catálogo constante do nº 6 do artigo 2º da Lei nº 9/2020. É completamente irrelevante a eventual circunstância de o crime indiciado nela figurar. A lei declaradamente exclui o perdão e a proposta de indulto excecional se estiver em causa um dos tipos constantes daquele rol exaustivo (no qual se omite “incompreensivelmente” o roubo, na perspetiva de Nuno Brandão: “A libertação de reclusos em tempos de COVID-19. Um primeiro olhar sobre a Lei n.º 9/2020, de 10/4”, in Revista Julgar Online, Abril de 2020, p. 8). Para a saída administrativa, a subsequente adaptação à liberdade condicional e a reponderação da necessidade da prisão preventiva fica deliberadamente banida a hipótese de atender à natureza do crime.
No caso do arguido, está fora de questão o
perigo mencionado na alínea b) do artigo 204º do CPP, visto ter sido já deduzida
acusação e haver sido proferido despacho de pronúncia, finda a instrução.
Não há a ter em conta eventual grave
perturbação da ordem e da tranquilidade públicas. A ordem pública consiste no
normal acatamento das leis e das instruções das autoridades que exercem os seus
poderes de modo regular. Encontra-se perturbada quando os cidadãos desrespeitam
a legalidade e as autoridades atuam a fim de reprimir a violação das normas.
Fica gravemente perturbada quando um número significativo de pessoas
desobedecem às obrigações legais e as autoridades têm dificuldades sérias em se
impor. A tranquilidade pública é o estado de segurança que carateriza a
comunidade. Está perturbada sempre que os cidadãos se sentem inseguros, por
haver circunstâncias aptas a que as normas legais sejam violadas. A perturbação
é grave no caso de a insegurança se consubstanciar na elevada probabilidade de
ocorrência de ilícitos em virtude de inexistência de forças de segurança
eficazes, presença de pessoas em condições de violar direitos de terceiros e
alta viabilidade de serem cometidos crimes de modo impune. No quadro da
vigência dos decretos presidenciais nº 14-A/2020, de 18 de março e nº
17-A/2020, de 2 de abril, executados pelos decretos nº 2-A/2020, de 20 de março
e nº 2-B/2020, de 2 de abril, tais exigências estão asseguradas pela restrição
de exercício de direitos eficazmente imposta pelas autoridades.
Quanto ao perigo de continuação da
atividade criminosa, idênticas considerações são aplicáveis, pois o dever de
recolhimento domiciliário estabelecido no artigo 5º do decreto nº 2-B/2020, de
2 de abril praticamente o afasta.
Resta o perigo de fuga constante da alínea
a) do artigo 204º do CPP, cuja existência não é mais elevada do que na generalidade
das situações. A consideração das penas aplicáveis respeita tão-somente à
proporcionalidade, tendo em conta as sanções que previsivelmente venham a ser
aplicadas (nº 1 do artigo 193º do CPP). A valorar aqui tem-se a circunstância
de o arguido ser cidadão português, natural de território nacional, de onde raramente
sai, ter profissão, apresentar adequada inserção familiar e social, deixando
bem claro que ao perigo de fuga se pode obviar por outras medidas de coação que
não a de prisão preventiva, mais que não seja a de obrigação de permanência na
habitação, eventualmente mediante controlo à distância através de vigilância
eletrónica, caso em que deverá ser solicitada a correspondente informação à
direção-geral de reinserção e serviços prisionais.
Não se afigura adequada a obrigação de
apresentação periódica, visto envolver a necessidade de comparecer perante entidade
judiciária ou órgão de polícia criminal: nº 1 do artigo 198º do CPP. No caso
concreto do arguido, afigura-se mesmo que envolveria conflito com o dever de
recolhimento domiciliário, dado que a deslocação para “participação em atos processuais perante entidades judiciárias” lhe
está vedada por força da interpretação a contrario sensu da alínea l) do nº 1
do artigo 5º do decreto nº 2-B/2020, de 2 de abril.
Termos em que deve ser revogada a prisão
preventiva ou ser a mesma substituída por outro regime coativo, o que solicita.
Para tanto, requer a V. Exª que se digne
mandar oficiar o estabelecimento prisional para que remeta informação da qual
constem as patologias clínicas de que ele padece, observados por médico que ali
presta serviço.
Lisboa, 11 de abril de 2020
O Advogado,