domingo

9. RECURSO



Proc. nº 345/00.3TDGMR


Exmº Senhor:
Juiz de Direito
Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães


Afonso António Guerreiro Damião, arguido não se conformando com a douta sentença, dela interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com efeito suspensivo e subida diferida nos próprios autos (artigos 411º, 406º, 407º, nº 2, a) e 432º, nº 1, c) do Código de Processo Penal), o que faz nos seguintes termos:



COLENDOS CONSELHEIROS DO
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


MOTIVAÇÃO


OBJETO DO RECURSO

Interpõe-se recurso do douto acórdão proferido em primeira instância, que julgou o arguido autor de um crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal, tendo-o absolvido do crime de homicídio qualificado pelo qual vinha pronunciado e condenando-o na pena de 14 anos e 6 meses de prisão.

Por uma questão de simplicidade e para diferenciação, o arguido aludirá à sentença recorrida, prescindindo da utilização do vocábulo “acórdão”. A tradição tem reservado esta palavra para as sentenças dos tribunais superiores. Os artigos 365º a 380º do CPP recorrem a essa terminologia. O nº 2 do artigo 97º do CPP não constitui elemento infirmatório, pois limita-se a esclarecer que o acórdão é uma das espécies de sentença. Ou seja: o acórdão é uma sentença.

GRAU DE ILICITUDE ACIMA DA MÉDIA

Para determinação da medida da pena, a sentença atendeu ao grau de ilicitude, que considerou ser “acima da média”.

Compreende-se que, neste tipo de ilícito, é complicado graduar a ilicitude. No domínio do homicídio simples, há apenas um resultado: a perda da vida de alguém.

Não é o mesmo que ocorre na ofensa à integridade física simples. É diferente uma bofetada de um espancamento com um pau, a soco e a pontapé. Aí, torna-se mais simples fixar o grau de ilicitude.

Em todo o caso, a alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal manda aferir do grau de ilicitude, seja qual for o tipo penal. Portanto, não se pode excluir o ilícito que surge logo em primeiro lugar no elenco da parte especial daquele compêndio normativo.

Já se colocam reservas quanto à noção de média: um critério meramente estatístico.

Não interessa se a maior parte dos homicídios são caraterizados por um grau de ilicitude inferior. O que conta é a intensidade do grau de ilicitude: reduzido, moderado ou elevado.

Voltando à ofensa à integridade física simples, é consabido que, em termos estatísticos, a maior parte dos casos se situa em casos de baixa intensidade da ilicitude. A média fica pelo soco, empurrão, bofetada ou pontapé. Os casos de moderado grau de ilicitude são raros: pauladas, dentes partidos, ferimentos com solução de continuidade, agressões com barras de ferro, hematomas. Ainda menos frequentes serão as situações em que é muito intenso o grau de ilicitude: fraturas, facadas, sacholadas…

Abaixo da média, na média ou acima da média: é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude.

Assim, ao fixar a pena considerando que o grau de ilicitude é acima da média, o tribunal apenas afirma que, na maior parte dos casos, o grau de ilicitude é mais baixo. Não esclarece se, nesta situação, o grau de ilicitude é reduzido, moderado ou intenso.

Assim, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

APURAMENTO DO GRAU DE ILICITUDE

Dos factos dados como provados, apenas se pode retirar que o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevado.

Apenas uma das duas facadas teve caráter letal: artigo 28 dos factos provados.

Foi, certamente, grande o sofrimento que a vítima teve antes de morrer. Mas chegou já sem vida ao hospital: artigo 28 dos factos provados. Não houve especiais requintes de malvadez que visassem prolongar o sofrimento do infeliz falecido, antes de lhe causar a perda da vida.

Portanto, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado. Nem reduzido nem elevado.

É o que se impõe por força do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

MODO DE EXECUÇÃO

Também para determinar concretamente a medida da pena, o tribunal considerou o modo de execução, como estipula o referido comando legal.

Nessa medida, considerou que a faca “funcionou simultaneamente como instrumento cortante e perfurante”.

Não se vê que tal resulta dos factos provados, maxime do artigo 28, onde se alude um corte oblíquo e uma ferida cortante, sendo que as lacerações mencionadas no artigo 16 são cortes ou rasgões.

De todo o modo, não se vê que uma eventual (mas não provada) utilização como instrumento simultaneamente cortante, perfurante ou contundente tenha relevo para considerar que o modo de execução assume determinadas caraterísticas que permitam fixar a pena.

Assim, para a determinação da medida concreta da pena, é totalmente irrelevante o facto (não provado, sublinha-se) de a faca ter funcionado “simultaneamente como instrumento cortante e perfurante”.

Ao tomá-lo em consideração, o tribunal violou a alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal.

RELATÓRIO SOCIAL

De forma muito correta, o tribunal a quo considerou o relatório social nos termos previstos no artigo 370º do CPP.

O relatório social não é propriamente um meio de prova. Contudo, aplicam-se algumas das regras atinentes às provas: nº 4 do 370º do CPP.

Os tribunais não aderem incondicionalmente ao que figura no relatório social. Adotam algumas das suas considerações e incluem-nas na matéria de facto dada como provada.

Foi o que ocorreu, maxime nos artigos 30 a 44 dos factos provados.

Portanto, o relatório social é elaborado para determinar a sanção: nº 1 do artigo 370º do CPP. Mas o tribunal só acolhe o que dele considerar que é suscetível de integrar os factos provados.

O demais não releva.

RELACIONAMENTO AFETIVO DESESTRUTURADO

O tribunal deve ponderar as condições pessoais do arguido, em ordem a fixar a pena – alínea d) do nº 2 do artigo 71º do CP.

Assim, a sentença considerou que o arguido manteve um “relacionamento afetivo desestruturado” com a mãe do seu filho.

Dos factos provados, não se descortina que tal tenha sucedido. Atendendo sobretudo aos mencionados artigos 30 a 44, o que se pode encontrar é o seguinte:

- verificou-se uma “rutura por iniciativa do arguido” – artigo 35

- arguido e esposa optaram “alegadamente, cada um por manter uma vida sexual e afectiva autónoma” (sendo equívoca a inclusão de uma alegação nos factos provados) – artigo 37

- houve um episódio de conflito e violência (artigo 39), mas desconhece-se quem é que foi o conflituoso e violento: o arguido, a esposa ou os dois

- Ocorreu uma rutura definitiva, tendo a guarda do menor sido entregue ao arguido (artigo 42).

Nada mais de relevo consta dos factos provados. E com estes elementos não se pode concluir por um “relacionamento afetivo desestruturado”.

Não se ignora que o arguido foi condenado pela prática de maus tratos e violência doméstica exercida precisamente sobre a mãe do seu filho – artigos 52 e 54 dos factos provados.

Mas tal releva para considerar os seus antecedentes criminais. Estas condenações não podem ser duplamente valoradas para considerar que o arguido manteve um “relacionamento afetivo desestruturado” e simultaneamente levar em conta que não é primário.

Ao ponderar que o arguido manteve um “relacionamento afetivo desestruturado”, a sentença não observa o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 71º do CP.

EXTREMA CONFLITUALIDADE E VIOLÊNCIA

Ainda no que concerne às condições pessoais do arguido, o tribunal fixou a pena tendo em consideração a “extrema conflitualidade e violência” que marcou o tal relacionamento afetivo.

Não se esclarece quem foi o responsável por tal “extrema conflitualidade e violência”: o arguido, a esposa ou os dois.

Em todo o caso, nada disso se pode retirar da matéria de facto dada como provada.

Como já se aludiu, menciona-se um episódio de conflito e violência (artigo 39), mas desconhece-se quem é que foi o conflituoso e violento: o arguido, a esposa ou os dois.

Quanto às condenações por maus tratos e violência doméstica, valem os considerandos já aduzidos a propósito da inviabilidade de valorar duplamente as mesmas.

Deste modo, ao considerar que o relacionamento entre o arguido e a mãe do seu filho foi marcado por “extrema conflitualidade e violência” para assim determinar a medida concreta da pena, violou-se a alínea d) do nº 2 do artigo 71º do CP.

POSTURA PROVOCATÓRIA E REBELDE NA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

A pena aplicada ao arguido foi determinada tendo em consideração que ele “em julgamento denotou também postura provocatória e rebelde”. Tratou-se de apreciar a conduta posterior ao facto, conforme estipula a alínea e) do nº 2 do artigo 71º do CP.

É claro que são conceitos conclusivos, opiniões ou pareceres. Mas que encontram alguma concretização: “interrompendo várias vezes e de forma indevida a audiência, não obstante as sucessivas advertências que lhe foram sendo efetuadas”.

Ora nada disto figura nos factos provados.

De qualquer maneira, não é algo atinente à conduta posterior ao facto. Infelizmente, reparar as consequências do crime é algo inviável no homicídio e mesmo uma mitigação dificilmente está ao alcance do arguido, pois qualquer aproximação à família do falecido é geralmente repudiada, como é normal e compreensível. Também nestes casos, a demonstração de arrependimento não se traduz em condutas posteriores ao facto. Nestas situações, não passa mesmo de um estado de espírito, que não se revela por comportamentos.

Ao determinar concretamente a pena com base na “postura provocatória e rebelde” adotada pelo arguido no julgamento, o tribunal desrespeitou a alínea e) do nº 2 do artigo 71º do CP.

MEDIDA CONCRETA DA PENA

No que respeita à medida concreta da pena, o limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral.

Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.

A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

É o que resulta dos artigos 40º e 71º do Código Penal.

Dito de muito melhor forma, por Anabela Rodrigues:

Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida […] pela exigência de prevenção geral.
“Depois, […] a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial
“Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena”.

(Problemas fundamentais de Direito Penal, Homenagem a Claus Roxin, Lisboa, 2002, p. 208).

CULPA DO ARGUIDO

Temos, assim, uma moldura penal abstrata de 8 a 16 anos de prisão.

A dignidade da pessoa humana impede que a pena ultrapasse a culpa, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.

Por mais repugnante que seja o crime, por mais dramáticas que sejam os seus efeitos, por maiores que sejam as necessidades de prevenção, nunca pode ser infligida ao arguido uma pena que vá para além dos limites impostos pela medida da sua culpa.

Nesta aceção, “a culpa é o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso” (Eduardo Correia, Direito Criminal, Coimbra, reimpressão, 1993 vol. I, pág. 316). A culpa afere-se pelas circunstâncias de facto que rodearam a conduta do arguido.

De acordo com a matéria de facto dada como provada, o arguido só compareceu naquele local, para ir buscar a filha (artigo 8 dos factos provados). Nada faria prever que o fosse buscar naquele dia (artigo 7). O arguido envolveu-se em confronto físico com a vítima (artigo 14), depois de esta ter vindo à rua, após o arguido ter chamado por ele e dito que lhe partia a camioneta (artigo 12).

Tendo o arguido contribuído significativamente para que se encontrasse com a vítima, a verdade é que esse encontro não constituiu a finalidade da deslocação ao sítio. Havendo o arguido chamado pela vítima, com a ameaça de lhe partir a camioneta, não resultou demonstrado que pretendesse um confronto físico com o infeliz falecido.

O arguido atingiu a vítima com duas facadas, sendo apenas uma apta a causar a morte.

A medida da culpa do arguido impõe que a pena não seja superior a 14 anos de prisão.

Ou seja, a aplicação do artigo 40º do Código Penal estabelece um limite máximo de 14 anos.

EXIGÊNCIAS DE PREVENÇÃO GERAL

Sendo o paradigma do ilícito criminal e protegendo o bem jurídico mais valioso, o homicídio demanda fortes necessidades de prevenção geral. Não olvidando, claro, o terrorismo e os crimes contra a humanidade.

Em Portugal, o aumento da criminalidade violenta manifestou-se pelo crescimento do número de roubos.

A frequência de homicídios não sofreu oscilações importantes. É o que resulta do Anuário Estatístico de Portugal, Instituto Nacional de Estatística, Lisboa, 2011, p. 618-620). Desde 2005, registam-se entre 133 a 161 homicídios por ano (independentemente de condenação). Números muito distantes dos 340 verificados no ano de 1998 e dos 299 em 1999 (cfr. igualmente Estatísticas da Justiça, in www.dgpj.mj.pt).

Assim, as exigências de prevenção geral – que nunca são de descurar – não se fazem sentir com particular acuidade neste domínio. Felizmente, em Portugal, os assassinatos não ocorrem com tanta frequência que permitam qualificar tal fenómeno como um verdadeiro flagelo, que importa estancar pela aplicação de penas mais severas, como sucede com os roubos, o tráfico de estupefacientes, os abusos sexuais, a corrupção, que se tendem a banalizar.

Deste modo, as necessidades de prevenção geral não justificam que o limite mínimo vá para além daquele que é prescrito pela moldura abstrata: 8 anos de prisão.

PREVENÇÃO ESPECIAL

Conforme consta da sentença recorrida, as necessidades de prevenção especial acentuam-se pelos antecedentes criminais do arguido.

Porém, há um elemento a considerar. Em todos os crimes pelos quais, o arguido foi condenado, existe um fator comum. Presente no momento do crime, encontrava-se a mãe de seu filho, pessoa com quem o arguido mantém um litígio. Os crimes cometidos em 29 de maio de 2009 tiveram como co-autora tal senhora, que, aliás, foi condenada de modo mais gravoso do que o ora recorrente. Os crimes de maus tratos, ameaça agravada, coação grave tentada e violência doméstica tiveram como desafortunada vítima a mesma pessoa. O crime cometido na Holanda ocorreu por apreensão de estupefacientes em poder do ora recorrente e da mencionada esposa dele. O trágico homicídio ocorreu no quintal da casa dessa senhora e teve como vítima um indivíduo que se encontrava com ela no interior da residência.
O arguido não pretende desresponsabilizar-se ou culpabilizar a ex-esposa (que é ofendida nuns crimes, embora co-autora noutros). Apenas diz o recorrente que não é um indivíduo, na sua essência, com personalidade delituosa. Praticou crimes, efetivamente. Mas sempre num quadro de resposta, desadequada obviamente, à interação com a sua ex-esposa. Noutros circunstancialismos, o arguido recorrente é um sujeito respeitador, cumpridor, honesto, trabalhador e responsável. Como, aliás, sucede frequentemente com aqueles que cometem o crime de violência doméstica. Revelam-se cidadãos exemplares no seio laboral, entre os amigos, com a família de origem. Mas, no lar, comportam-se de modo criminalmente reprovável.

Note-se que nunca mais o arguido foi detetado na posse de estupefacientes, o que é bem revelador. Tal apenas ocorreu quando se encontrava com a mulher. Se ele fosse pessoa de andar com estupefacientes, até por eventual denúncia da ex-esposa, já teria sido constituído arguido em autos dessa natureza.

Quer dizer: o arguido não tem uma tendência inata para o crime. Tem cometido crimes, mas sempre com uma motivação relacionada com a mãe do seu filho, com quem se encontra em litígio.

Não se pode genericamente afirmar, como se faz na sentença, que o arguido apresenta “características de impulsividade e dificuldade de autocontrolo, com facilidade de adoção de condutas violentas”. Não é sempre assim.

Quando praticou os crimes, manifestou realmente impulsividade. Teve dificuldade em se autocontrolar. Facilmente adotou condutas violentas. Mas tal ocorreu num quadro em que, de um modo ou de outro, havia uma interação com a sua ex-esposa, mãe de seu filho.

CIRCUNSTÂNCIAS QUE DEPÕEM A FAVOR OU CONTRA O ARGUIDO

No que toca às circunstâncias que não integram o tipo e que depõem a favor ou contra o arguido, há a considerar nomeadamente as elencadas no nº 2 do artigo 71º do CP

Conforme anteriormente referido, há que afastar as seguintes, que constam da sentença em crise:

- Grau de ilicitude acima da média

- Modo de execução: a faca “funcionou simultaneamente como instrumento cortante e perfurante”.

- Relacionamento afetivo desestruturado

- Extrema conflitualidade e violência” que marcou esse relacionamento afetivo

- Postura provocatória e rebelde na audiência de julgamento.

O grau de ilicitude há-de ter-se por moderado, conforme anteriormente exposto.

Apenas uma das duas facadas teve caráter letal: artigo 28 dos factos provados.

Foi, certamente, grande o sofrimento que a vítima teve antes de morrer. Mas chegou já sem vida ao hospital: artigo 28 dos factos provados. Não houve especiais requintes de malvadez que visassem prolongar o sofrimento do infeliz falecido, antes de lhe causar a perda da vida.

O modo de execução não depõe contra o arguido. Tudo decorreu no âmbito de um confronto físico com a infeliz vítima.

A intensidade do dolo situa-se no seu mais elevado patamar, conforme se afirma na douta sentença recorrida.

Da matéria de facto dada como provada, nada se pode concluir quanto aos sentimentos manifestados pelo arguido.

Já quanto aos motivos, estão obviamente em conexão com o confronto físico entre arguido e vítima.

Das condições pessoais do arguido, retiram-se as várias ilações constantes da douta sentença: capacidade de trabalho, experiências de emigração, diversas atividades profissionais, dedicação e empenho quanto aa filha, referenciação como pessoa extrovertida e com facilidade em socializar,

MEDIDA CONCRETA DA PENA

Temos assim, no entender do arguido recorrente, os seguintes parâmetros.

A pena deve ser fixada dentro da moldura mais restrita de 8 a 14 anos de prisão.

As exigências de prevenção geral não demandam que se eleve o limite mínimo resultante da moldura abstrata do tipo: 8 anos.
A medida da culpa conduz a que a pena não possa ultrapassar os 14 anos.

É, pois, entre os 8 e os 14 anos de prisão que as necessidades de prevenção geral e as circunstâncias que depõem a favor ou contra o arguido permitirão fixar a pena concreta.

As acentuadas exigências de prevenção geral associadas a um conjunto de circunstâncias que pesam mais a favor do arguido do que contra ele, levam a que a pena concreta se fixe em medida não superior a 9 anos e 6 meses de prisão.

Condenando o arguido a 14 anos e 6 meses de prisão, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40º, 71º e 131º do Código Penal.

A aplicação desses preceitos legais implica uma condenação a pena não superior a 9 anos e 6 meses de prisão.



CONCLUSÕES

O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “acima da média”. “Média” é um critério estatístico e não qualitativo, de intensidade. Abaixo da média, na média ou acima da média: é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude: reduzida, moderada ou elevada.


In casu, o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevado. Apenas uma das duas facadas teve caráter letal. A vítima chegou sem vida ao hospital. Com certeza, foi grande o seu sofrimento. Mas não houve especiais requintes de malvadez que visassem prolongar o sofrimento do infeliz falecido, antes de lhe causar a perda da vida.

Deste modo, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado. Nem reduzido nem elevado.

A sentença recorrida viola a alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal também porque avaliou o modo de execução pela seguinte circunstância: a faca “funcionou simultaneamente como instrumento cortante e perfurante”.

Tal não resulta dos factos provados, maxime do artigo 28, onde se alude um corte oblíquo e uma ferida cortante, sendo que as lacerações mencionadas no artigo 16 são cortes ou rasgões.
Em todo o caso, uma eventual (mas não provada) utilização como instrumento simultaneamente cortante, perfurante ou contundente não importa para considerar que o modo de execução assume determinadas caraterísticas que permitam fixar a pena.

O relatório social (artigo 370º do CPP) apenas vale quanto aos pontos que forem adotados pelo tribunal e que sejam transpostos para a matéria de facto provada. Na sentença recorrida, estão em causa os artigos 30 a 44 dos factos provados. O demais constante do relatório social não releva.

O tribunal determinou a medida concreta da pena considerando que o o arguido manteve um “relacionamento afetivo desestruturado”.

Tal não se retira dos factos provados, nos quais apenas figura: verificou-se uma “rutura por iniciativa do arguido”; arguido e esposa optaram “alegadamente, cada um por manter uma vida sexual e afectiva autónoma” (sendo equívoca a inclusão de uma alegação nos factos provados); houve um episódio de conflito e violência mas desconhece-se quem é que foi o conflituoso e violento: o arguido, a esposa ou os dois; e ocorreu uma rutura definitiva, tendo a guarda do menor sido entregue ao arguido).

10ª Assim, o tribunal violou o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 71º do CP.

11ª Não se ignora que o arguido foi condenado pela prática de maus tratos e violência doméstica exercida precisamente sobre a mãe do seu filho. Mas tal releva para considerar os seus antecedentes criminais. Estas condenações não podem ser duplamente valoradas para considerar que o arguido manteve um “relacionamento afetivo desestruturado” e simultaneamente levar em conta que não é primário.

12ª O tribunal fixou a pena tendo em consideração a “extrema conflitualidade e violência” que marcou o tal relacionamento afetivo, assim desrespeitando o que estabelece a alínea d) do nº 2 do artigo 71º do CP.

13ª Nada disso se pode retirar da matéria de facto dada como provada. De resto, não se esclarece quem foi o responsável por tal “extrema conflitualidade e violência”: o arguido, a esposa ou os dois. Quanto às condenações por maus tratos e violência doméstica, valem os considerandos já aduzidos a propósito da inviabilidade de valorar duplamente as mesmas.

14ª A pena aplicada ao arguido foi determinada tendo em consideração que ele “em julgamento denotou também postura provocatória e rebelde”. Tratou-se de apreciar a conduta posterior ao facto, conforme estipula a alínea e) do nº 2 do artigo 71º do CP.

15ª O tribunal procedeu a alguma concretização: “interrompendo várias vezes e de forma indevida a audiência, não obstante as sucessivas advertências que lhe foram sendo efetuadas”.

16ª Nada disto figura nos factos provados. Ao determinar concretamente a pena com base na “postura provocatória e rebelde” adotada pelo arguido no julgamento, o tribunal desrespeitou a alínea e) do nº 2 do artigo 71º do CP.

17ª Na operação de fixação da medida concreta da pena, atende-se ao disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

18ª O limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral. Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.

19ª A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

20ª A moldura penal abstrata é de 8 a 16 anos de prisão.

21ª A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.

22ª O arguido só compareceu naquele local, para ir buscar a filha (artigo 8 dos factos provados). Nada faria prever que o fosse buscar naquele dia (artigo 7). O arguido envolveu-se em confronto físico com a vítima (artigo 14), depois de esta ter vindo à rua, após o arguido ter chamado por ele e dito que lhe partia a camioneta (artigo 12).

23ª O arguido contirbuiu significativamente se encontrar com a vítima. Contudo, tal encontro não constituiu a finalidade da deslocação ao sítio. Havendo o arguido chamado pela vítima, com a ameaça de lhe partir a camioneta, não resultou demonstrado que pretendesse um confronto físico com o infeliz falecido.

24ª O arguido atingiu a vítima com duas facadas, sendo apenas uma apta a causar a morte.

25ª A medida da culpa do arguido impõe que a pena não seja superior a 14 anos de prisão. Ou seja, a aplicação do artigo 40º do Código Penal estabelece um limite máximo de 14 anos.

26ª As exigências de prevenção geral não justificam que o limite mínimo ultrapasse o que é estabelecido pela moldura abstrata: 8 anos de prisão.

27ª Em Portugal, o aumento da criminalidade violenta manifestou-se pelo crescimento do número de roubos. As necessidades de prevenção geral não se fazem sentir com particular acuidade. Os assassinatos não ocorrem com tanta frequência que permitam qualificar tal fenómeno como um verdadeiro flagelo, que importa estancar pela aplicação de penas mais severas, como sucede com os roubos, o tráfico de estupefacientes, os abusos sexuais, a corrupção, que se tendem a banalizar.

28ª Os antecedentes criminais do arguido tornam intensas as necessidades de prevenção especial.

29ª Não se pode genericamente afirmar, como se faz na sentença, que o arguido apresenta “características de impulsividade e dificuldade de autocontrolo, com facilidade de adoção de condutas violentas”. Não é sempre assim.

30ª Quando praticou os crimes, manifestou realmente impulsividade. Teve dificuldade em se autocontrolar. Facilmente adotou condutas violentas. Mas tal ocorreu num quadro em que, de um modo ou de outro, havia uma interação com a sua ex-esposa, mãe de seu filho.

31ª Pelas razões já expostas, no que respeita às circunstâncias que não integram o tipo e que depõem a favor ou contra o arguido, há que afastar as seguintes, que constam da sentença em crise: grau de ilicitude acima da média; modo de execução: a faca “funcionou simultaneamente como instrumento cortante e perfurante”; relacionamento afetivo desestruturado; extrema conflitualidade e violência” que marcou esse relacionamento afetivo; e postura provocatória e rebelde na audiência de julgamento.

32ª Há, sim, que considerar o que figura na matéria de facto dada como provada e que se enquadram nomeadamente nas elencadas no nº 2 do artigo 71º do CP.

33ª O grau de ilicitude há-de ter-se por moderado, conforme anteriormente exposto.

34ª O modo de execução não depõe contra o arguido. Tudo decorreu no âmbito de um confronto físico com a infeliz vítima.
35ª A intensidade do dolo situa-se no seu mais elevado patamar, conforme se afirma na douta sentença recorrida.

36ª Relativamente aos motivos, estão obviamente em conexão com o confronto físico entre arguido e vítima.

37ª Das condições pessoais do arguido, retiram-se as várias ilações constantes da douta sentença: capacidade de trabalho, experiências de emigração, diversas atividades profissionais, dedicação e empenho quanto aa filha, referenciação como pessoa extrovertida e com facilidade em socializar,

38ª A medida da culpa não permite que a pena ultrapasse os 14 anos de prisão.

39ª As necessidades de prevenção geral não tornam lícito elevar o limite mínimo resultante da moldura abstrata do tipo: 8 anos.

40ª As intensas exigências de prevenção geral associadas a um conjunto de circunstâncias que pesam mais a favor do arguido do que contra ele, levam a que a pena concreta se fixe em medida não superior a 9 anos e 6 meses de prisão.

41ª Os artigos 40º, 71º e 131º do Código Penal implicam uma condenação a pena não superior a 9 anos e 6 meses de prisão.

42ª Condenando o arguido a 14 anos e 6 meses de prisão, o tribunal a quo violou o disposto nesses preceitos legais.



43ª Nestes termos,
deve ser revogada a decisão recorrida, sendo o arguido condenado a pena não superior a 9 anos e 6 meses de prisão.



Nos termos do nº 5 do artigo 411º do CPP, o recorrente requer a realização de audiência, tendo em vista debater os pontos enunciados acima com as epígrafes:
- Grau de ilicitude acima da média
- Apuramento do grau de ilicitude
- Modo de execução
- Relatório social
- Relacionamento afetivo desestruturado
- Extrema conflitualidade e violência
- Postura provocatória e rebelde na audiência de julgamento
- Medida concreta da pena
- Culpa do arguido
- Exigências de prevenção geral
- Prevenção especial
- Circunstâncias que depõem a favor ou contra o arguido
- Medida concreta da pena.


Vão as cópias (nº 6 do artigo 411º do CPP).




O Advogado,