Proc. nº 5274/11.5TDBCL
Exmº Senhor:
Juiz de Instrução Criminal
Tribunal Judicial da Comarca de
Barcelos
Pedro
da Costa Delca Mira Gonçalves, arguido nos autos acima referidos, requer
ABERTURA DE INSTRUÇÃO
o que faz nos seguintes termos:
I
NULIDADE DA ACUSAÇÃO
1. A acusação não
menciona o local da prática dos factos.
2. A única alusão a
um sítio surge a propósito de se dizer que o arguido assinou uma declaração de
extravio no balcão do Millennium BCP, em Barcelos.
3. A consumação do
crime opera quando há preenchimento da totalidade dos elementos do respetivo
tipo. Ora a declaração de extravio não consubstancia o momento em que ficam
verificados todos os elementos típicos da infração criminal em causa.
4. Assim, há total
omissão de referência ao lugar onde ocorreram os factos.
5. Nos termos do
artigo 283°, n° 3, b) do CPP, a acusação deve referir o lugar da prática dos
factos, se possível.
6. Admite-se que não
seja possível mencionar o lugar.
7. Assim, é aceitável
afirmar "em lugar desconhecido cuja
localização exata não foi possível apurar, mas durante o trajeto percorrido
entre Coimbra e Porto" ou "em
lugar de localização duvidosa, mas em Sintra ou em Mafra".
8. Todavia, na
presente situação, não se menciona que é impossível referir o lugar da prática
dos factos. E tal omissão só é de aceitar se realmente não for possível
mencionar a localização.
9. A indicação
espacial dos factos não reveste carácter obrigatório.
10. No entanto, é
essencial que haja, pelo menos, uma vaga alusão por forma a permitir concluir
que os factos fundamentam a aplicação de uma pena.
11. É, portanto,
absolutamente necessário que da narração resulte, no mínimo, a aplicabilidade
da lei penal portuguesa e a competência internacional dos tribunais nacionais
(artigos 4° e 5° do Código Penal e 19° a 22° do Código de Processo Penal).
12. Por mais sintética
e imprecisa que seja, a descrição deve, pelo menos, permitir retirar esta
ilação.
13. De outro modo, não
se justificaria submeter o arguido a julgamento, pois não seria possível
aplicar-lhe uma pena. Corria-se o risco de serem provados todos os factos
constantes da acusação e tornar-se inviável a condenação.
14. É o que sucede na
presente situação.
15. Mesmo que se
provassem todos os factos constantes da acusação, nunca poderia o arguido ser
condenado.
16. Tal é mais do que
suficiente para infirmar a acusação, sendo esta a única possibilidade que se
impõe. A acusação não contém narração de factos que se traduzam na prática de
crime punível.
17. Nem sequer é
possível inferir que os factos terão ocorrido em Portugal.
18. O proémio do nº 3
do artigo 283º do CPP impõe que se dê a acusação como nula, sendo proferido
despacho de não pronúncia.
19. Nesta linha, cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 6
de Julho de 2006, proc. nº 150/2006-9,
in www.dgsi.pt (texto integral em
II
INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS
TRIBUNAIS PORTUGUESES
20. Ainda que tal seja
legalmente inadmissível, há que considerar a hipótese de se entender que o
recurso a elementos constantes dos autos permitiria colmatar a falta de menção
do local, no libelo acusatório.
21. Ora, assim
concluiríamos que:
- o cheque foi apresentado a
pagamento em Itália
- o local de emissão é Montagnana,
nesse país.
Há alguns elementos de ligação a
Portugal:
- a conta bancária respeita a uma
dependência bancária portuguesa
- a declaração de extravio foi
realizada em Portugal.
22. Constituem
elementos típicos objetivos do crime:
- emissão
- entrega
- de cheque
- antes ou após a entrega, impedir o
pagamento do mesmo, proibindo a instituição sacada de o fazer.
23. De acordo com a
narração constante da acusação, o arguido agiu da seguinte forma:
- Em 27 de Janeiro de 2009, o
arguido assinou uma declaração de extravio do cheque
- Em 18 de Fevereiro de 2009, emitiu
o cheque
- Nessa mesma data, entregou o
cheque.
24. Embora nada se
diga a este propósito, os dois últimos momentos ocorreram em Itália. Assim, a
consumação do crime deu-se fora de Portugal.
25. É esta a perspetiva
do relato ou da narração que figura no libelo acusatório.
26. Os tribunais
portugueses são incompetentes para julgar o arguido pelos factos conforme
descritos na acusação, segundo prescrevem os seguintes dispositivos legais:
- Código de Processo Penal: nº 1 do
artigo 19º e artigo 22º
- Código Penal: artigo 5º
- Regime jurídico dos cheques sem
provisão: artigo 13º.
27. A tal não obstam o
nº 1 do artigo 7º do CP e o artigo 22º do CPP. O facto criminoso ocorre
totalmente em Itália.
III
FALTA DE LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
28. O crime é
semi-público – artigo 11º do regime jurídico dos cheques sem provisão.
29. Para a promoção do
processo penal, é mister que haja queixa – artigos 48º e 49º do CPP e 113º do
CP.
30. A queixa deve
cumprir todos os requisitos formais, nomeadamente indicando a data da entrega
do cheque ao tomador – nº 2 do artigo 11º do regime jurídico dos cheques sem provisão.
31. Ora, a queixosa
diz que o arguido lhe enviou o cheque em 18 de Fevereiro de 2009.
32. Não menciona em
que data foi o cheque entregue à queixosa.
33. Ou seja, alude à
data da remessa, mas não ao dia da recepção ou entrega.
34. Falece ao Ministério
Público legitimidade para promover o processo penal, por inexistência de queixa
que obedeça às exigências legais - artigos 48º e 49º do CPP, 113º do CP e nº 2
do artigo 11º do regime jurídico dos cheques sem provisão.
III
CHEQUE PRÉ-DATADO
35. De todo o modo,
não se verifica a condição de punibilidade a que alude o nº 3 do artigo 11º do
regime jurídico dos cheques sem provisão.
36. Este cheque foi
entregue em Itália, em 2007, juntamente com outros cheques, cada um no montante
das prestações a pagar à queixosa.
37. Os espaços
correspondentes à data e ao local de emissão foram deixados em branco e não
foram preenchidos pelo arguido.
38. Trata-se, assim,
de um cheque de garantia, emitido em data anterior à dele constante.
39. Aliás, ficou acordado
que os pagamentos seriam realizados mediante transferência bancária.
40. De modo bem
pertinente, no douto despacho de fls 51 refere-se precisamente tal aspeto. O
cheque é pré-datado.
41. É certo que houve
posterior intervenção hierárquica (fls 75-78). Porém, a decisão proferida pelo
Exmº Senhor Procurador da República apenas versou sobre a competência
internacional do Ministério Público e dos tribunais portugueses. Não se aborda
a matéria relativa à circunstância de o cheque ser pré-datado. Tal ficou para
apreciação do subordinado, que apenas estava vinculado a seguir a orientação de
que o Ministério Público e os tribunais portugueses seriam internacionalmente
competentes. A Digna Procuradora-Adjunta encontrava-se obrigada a considerar
como resolvida a questão da competência. Mas não deveria ter sido acrítica no
que concerne ao facto de o cheque ser pré-datado. A Exmª Senhora Procuradora da
República apenas determinou o prosseguimento do inquérito. Não mandou acusar.
Testemunhas:
- Luís
Mário Oliveira Campos,
com domicílio na Av. Arlindo Vasconcelos, nº 82, 5º esq., Barcelos – para
comprovação do que figura nos nºs 35 a 39.
- David
Miguel Santos Castro Pinto, com domicílio na Praceta Luísa Leite, nº 12-B, 2º
esq., Barcelos – para comprovação do que figura nos nºs 35 a 39.
- Cláudio Amável Sousa Coelho Brito, com domicílio na Praceta Luísa
Leite, nº 12-B, 2º esq., Barcelos - para comprovação do que figura nos nºs 35 a
39.
- Costantino
Moro,
com domicílio em Via Lupia Eniano, nº 17, Montagnana, Padova, Itália – para
comprovação do que figura nos nºs 35 a 39.
-
Manuela Moro,
com domicílio em Via Lupia Eniano, nº 17, Montagnana, Padova, Itália – para
comprovação do que figura nos nºs 35 a 39.
- Francesco Manzoni, com domicílio em Via Lupia Eniano, nº 17, Montagnana,
Padova, Itália – para comprovação do que figura nos nºs 35 a 39.
De acordo com o disposto no nº 2 do artigo
292º do CPP, o arguido solicita que se proceda ao seu interrogatório.
Nestes
termos deve ser proferido despacho de não pronúncia do arguido.
Junta: comprovativo do
pagamento de custas processuais.
O
Advogado,