217/19.0JDPRT
Exmº Senhor
Juiz de Direito
Juízo Central Criminal de Guimarães
Comarca de Guimarães
Carlos Melchior Morais Salgueiro Coelho,
arguido, nos termos consentidos pelos artigos 98º e 63º do código de processo
penal, expõe e requer:
A aplicação da prisão preventiva ao arguido
teve lugar num contexto em que não se verificava a pandemia causada pelo
coronavírus, enquanto vírus
da síndrome respiratória aguda grave 2 ou Covid-19 (corona virus disease
2019).
Constitui um chavão banalizado ou frase
feita, o estafado cliché segundo o qual o regime coativo se encontra sujeito à
condição rebus sic stantibus (o mesmo
estado de coisas). Alterando-se as circunstâncias, devem modificar-se as
medidas de coação. Embora sejam chapas correntes, encontram algum arrimo no
artigo 212º do código de processo penal, como sucedia já anteriormente, desde a
entrada em vigor do decreto-lei nº 377/77, de 6 de setembro.
É o que sucede no presente momento, em que
efetivamente as circunstâncias se alteraram.
Infelizmente, o arguido acha-se alojado
numa cela que partilha com mais reclusos (cfr. artigo 26º do código da execução
das penas), sendo impossível manter um distanciamento de dois metros.
Crê o arguido que poderá não ser diminuta a
probabilidade de no estabelecimento prisional onde ele se encontra, vir a ter
no seu interior indivíduos atingidos pelo vírus, num futuro próximo.
Em criança e na adolescência, o arguido
sofreu de dificuldades respiratórias, podendo vir a encontrar-se numa situação
de comorbilidade.
Da Recomendação nº 4/B/2020 da Provedora de
Justiça, o requerente permite-se respigar o seguinte:
As
especificidades do meio prisional, do ponto de vista estrutural, nos edifícios
e nas regras de funcionamento, como particularmente do ponto de vista da
população alojada, oferecem, na verdade, singulares e agudas razões para
acrescida preocupação.
Meio
fechado por excelência, funcionando em edifícios que não facilitam ou propiciam
a separação entre quem se encontra em reclusão, a proximidade do quantitativo
da população presente com as vagas existentes no sistema não faz esquecer a
desigual distribuição daquela, em termos que significam, em muitos casos,
sobrelotação acentuada e, em geral, dificuldade para adoção de esquemas que
propiciem, nesta ocasião, distância social mais marcada.
Tenho
acompanhado o teor das medidas de adaptação que a Direção-Geral de Reinserção e
Serviços Prisionais vem introduzindo, em resposta articulada com a Autoridade
Nacional de Saúde, aos riscos próprios do sistema. Entre as mesmas, realço as
que, inevitavelmente com custos para todos os envolvidos, têm sido tomadas para
um maior fechamento temporário do mesmo sistema, eliminando visitas e outras
atividades que implicam fluxos de entrada ou de saída dos estabelecimentos.
Sucede
que este fechamento, ao contrário do que acontece em meio livre, não se afigura
suficiente. Não o é em dois planos: primeiro, por ser incompleto, no sentido
que persistem os inelutáveis fluxos decorrentes da prestação presencial de
serviço pelo pessoal de vigilância, de saúde e outros incompatíveis com o
teletrabalho; segundo, por ser reduzido, ao não atender a critérios de
afastamento no interior de cada estabelecimento entre todos que aí interagem.
A
ocorrência, porventura inevitável, de um foco de infeção em certo
estabelecimento pode significar, nas atuais condições, uma extensão
significativa do número de afetados, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos.
Sendo conhecidas as limitações do sistema de saúde prisional para fazer face a
um evento de proporções tão extraordinárias como as presentes, o recurso a
unidades de um sobrecarregado Serviço Nacional de Saúde acarretaria
dificuldades de ordem prática notáveis, como as que se impõem por razões de
segurança.
Mais
do que estes aspetos de ordem prática, importa ter presente que o Estado não
pode deixar de ser particularmente responsável pela salvaguarda dos direitos à
vida e à integridade física e psíquica de quem, por execução de pena de prisão
ou em razão de qualquer outra medida, se encontra privado de liberdade.
Em conformidade, o arguido requer a
utilização dos meios previstos no nº 1 do artigo 7º da lei nº 33/2010, de 2 de
setembro, pelo que impetra que seja
solicitada a informação a que alude o nº 2 deste artigo 7º.
É obrigatório mandar elaborar esta
informação sempre que o arguido solicitar que a mesma seja realizada, sendo
forçoso dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 7º da Lei nº 33/2010.
A elaboração daquela informação pelos
serviços de reinserção social enquadra-se na economia processual. Encontra-se
estabelecida uma gramática processual, que corresponde a um conjunto de regras
sobre o andamento dos processos judiciais, não se devendo aqui confundir aquele
vocábulo no sentido de normas sobre o uso da linguagem. Está em causa a
tramitação processual legalmente consagrada ou, segundo léxico diferente,
economia processual vigente. Na economia adjetiva, o primeiro vocábulo da expressão
não deve aqui ser entendido na aceção de moderar gastos, reduzir atividades ou
de quantia amealhada graças ao corte nas despesas. Assume o significado de
normativo que regula o funcionamento de uma dinâmica, neste caso a dos autos
judiciais que correm seus termos nos tribunais. Por vezes, é utilizada palavra
diversa, na expressão gestão processual. Numa aceção que se afigura imprópria, nalgumas
ocasiões, a expressão economia processual surge associada à aludida redução de
atividades, à celeridade ou à simplificação. Neste quadro, a Assembleia da
República aprovou democraticamente um regime que prevê uma certa tramitação,
que tem de ser escrupulosamente cumprida pelos tribunais.
De acordo com aquele regime,
cronologicamente seguem-se os atos por esta ordem:
a) Requerimento formulado pelo arguido (n°
1 do artigo 7°);
b) Prévia informação elaborada pelos
serviços de reinserção social (n° 2 do artigo 7°);
c) Audição do Ministério Público (n° 3 do
artigo 7°);
d) Audição do arguido, que se pronunciará após
ser notificado do teor daquela informação (n° 3 do artigo 7°);
e) Decisão "por despacho do juiz"
(n° 1 do artigo 7°).
O juiz é titular de um órgão de soberania. Estatui
com independência, imparcialmente e no exercício de um poder que apenas a ele
lhe compete. Fá-lo sujeitando-se à lei, sem enjeitar os contributos
interdisciplinares que permitem apurar qual a situação dos arguidos sem se
alhear da realidade que ainda não conhece e que lhe será transmitida pelos serviços
de reinserção social, à qual incumbe uma missão a cumprir no domínio
judiciário, respeitando a tendência atual de o juiz conhecer o mundo que vai
para além do processo e dos códigos, não se abstraindo da vivência concreta
experienciada no terreno e cujos elementos são trazidos por especialistas de
diferentes áreas do saber, o que tem encontrado consagração na lei substantiva
e adjetiva.
Caso o arguido fique sujeito a obrigação de
permanência na habitação, o arguido residirá na morada de sua Mãe, Clotilde
Branca Vasconcelos Morais, domiciliada na Rua Carlos António Jesus Carvalho, nº
2, 2º andar-esquerdo, Guimarães.
Na eventualidade de não se entender
adequada a substituição da prisão preventiva por obrigação de permanência na
habitação através de meios de controlo à distância, subsidiariamente o arguido
solicita a suspensão da execução da prisão preventiva caso tal seja exigido por
razão de doença, nos termos do artigo 211º do código de processo penal, o que
conferiria caráter precário à permanência na habitação, restringindo-a ao
período da pandemia.
Há que ter sempre presente que uma
hipotética ausência ilegítima, que no caso do arguido nunca sucederá, teria
como reação a sua imediata captura, nos termos do nº 2 do artigo 12º da Lei nº
33/2010, por qualquer autoridade judiciária ou agente de serviço ou força de
segurança.
Termos em que o arguido requer que V. Exª
ordene a elaboração da informação a que alude o nº 2 deste artigo 7º da Lei nº
33/2010, de 2 de setembro, com vista à substituição da prisão preventiva por
obrigação de permanência na habitação através de meios de controlo à distância
ou suspensão da execução da prisão preventiva (artigos 201º, 211º e 212º do código
de processo penal).
Lisboa, 30 de março de 2020
O Advogado,