terça-feira

REEAXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA EM VIRTUDE DO CORONAVÍRUS


173/20.3JDBRG

Exmº Senhor
Juiz de Direito
Juízo Central Criminal de Braga
Comarca de Braga

Venâncio Manuel Ribeiro Costa Sousa, arguido, nos termos consentidos pelos artigos 98º e 63º do código de processo penal, expõe e requer:

O nº 1 do artigo 7º da Lei nº 9/2020, de 10 de abril, impõe o dever de proceder ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ainda que não tenha decorrido o prazo de três meses após o seu último reexame, mencionado na alínea a) do nº 1 do artigo 213º do CPP. Tal obrigação surge em todos os casos em que a medida se acha imposta, mas o advérbio “sobretudo” reforça-a caso se verifique algumas das três situações seguintes:

- idade do recluso igual ou superior a 65 anos

- doença física ou psíquica

- grau de autonomia incompatível com a normal permanência em meio prisional no contexto da covid-19.

É o que deriva da remissão feita para o nº 1 do artigo 3º. É certo que esta disposição, respeitando ao indulto excecional, apenas consente a sua proposta caso se verifique o pressuposto de idade igual ou superior a 65 anos a que se deve somar a doença ou a incompatibilidade do grau de autonomia com a normal permanência em meio prisional. Mas, no quadro do reexame da prisão preventiva, a intensidade do dever de ele proceder é logo acrescido desde que esteja presente, pelo menos, uma dessas circunstâncias: o fator etário, a doença ou a mencionada incompatibilidade.

A alusão à pandemia no nº 1 do artigo 3º deve entender-se como reportada à doença covid-19 (doença do coronavírus 2019, corona virus disease 2019, que corresponde à enfermidade do vírus da síndrome respiratória aguda grave 2) referida no nº 1 do artigo 1º.

A idade do arguido é inferior a 65 anos.

Apresenta total autonomia, pelo que não se coloca a questão de incompatibilidade com a normal permanência em meio prisional.

É portador de doença, efetivamente, visto padecer de hipertensão. Ora os hipertensos enquadram-se precisamente naqueles cidadãos que são especialmente merecedores de proteção relativamente à covid-19, nos termos do decreto nº 2-B/2020, de 2 de abril.

Assim, deve-se julgar verificada a superior importância do reexame dos pressupostos da prisão preventiva.

Aqui esgota-se o apuramento da existência de uma daquelas 3 condições (idade, doença, incompatibilidade). Elas não respeitam diretamente à reponderação da necessidade da medida, mas apenas à maior dimensão da incumbência de a realizar. Há que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Assim como é inviável considerar como válido o que não tiver um mínimo de correspondência verbal com a letra da lei. É o que impõe o artigo 9º do código civil.

Deste modo, no que concerne ao dever de proceder a reexame, não existe uma delimitação subjetiva, restringindo-a aos reclusos esecialmente vulneráveis.

Esta reponderação acarreta uma avaliação que irá considerar não só a efetiva subsistência dos requisitos gerais das medidas de coação diversas do termo de identidade e residência, estabelecidos no artigo 204º do CPP, mas também outros elementos que devam ser apreciados, conforme resulta de ter sido empregue o vocábulo “nomeadamente” no nº 1 do artigo 7º. Entre tais parâmetros, contam-se garantidamente a necessidade, a adequação e a proporcionalidade apontados no artigo 193º do CPP. Fica afastada a intervenção do catálogo constante do nº 6 do artigo 2º da Lei nº 9/2020. É completamente irrelevante a eventual circunstância de o crime indiciado nela figurar. A lei declaradamente exclui o perdão e a proposta de indulto excecional se estiver em causa um dos tipos constantes daquele rol exaustivo (no qual se omite “incompreensivelmente” o roubo, na perspetiva de Nuno Brandão: “A libertação de reclusos em tempos de COVID-19. Um primeiro olhar sobre a Lei n.º 9/2020, de 10/4”, in Revista Julgar Online, Abril de 2020, p. 8). Para a saída administrativa, a subsequente adaptação à liberdade condicional e a reponderação da necessidade da prisão preventiva fica deliberadamente banida a hipótese de atender à natureza do crime. 

No caso do arguido, está fora de questão o perigo mencionado na alínea b) do artigo 204º do CPP, visto ter sido já deduzida acusação e haver sido proferido despacho de pronúncia, finda a instrução.

Não há a ter em conta eventual grave perturbação da ordem e da tranquilidade públicas. A ordem pública consiste no normal acatamento das leis e das instruções das autoridades que exercem os seus poderes de modo regular. Encontra-se perturbada quando os cidadãos desrespeitam a legalidade e as autoridades atuam a fim de reprimir a violação das normas. Fica gravemente perturbada quando um número significativo de pessoas desobedecem às obrigações legais e as autoridades têm dificuldades sérias em se impor. A tranquilidade pública é o estado de segurança que carateriza a comunidade. Está perturbada sempre que os cidadãos se sentem inseguros, por haver circunstâncias aptas a que as normas legais sejam violadas. A perturbação é grave no caso de a insegurança se consubstanciar na elevada probabilidade de ocorrência de ilícitos em virtude de inexistência de forças de segurança eficazes, presença de pessoas em condições de violar direitos de terceiros e alta viabilidade de serem cometidos crimes de modo impune. No quadro da vigência dos decretos presidenciais nº 14-A/2020, de 18 de março e nº 17-A/2020, de 2 de abril, executados pelos decretos nº 2-A/2020, de 20 de março e nº 2-B/2020, de 2 de abril, tais exigências estão asseguradas pela restrição de exercício de direitos eficazmente imposta pelas autoridades.

Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, idênticas considerações são aplicáveis, pois o dever de recolhimento domiciliário estabelecido no artigo 5º do decreto nº 2-B/2020, de 2 de abril praticamente o afasta.

Resta o perigo de fuga constante da alínea a) do artigo 204º do CPP, cuja existência não é mais elevada do que na generalidade das situações. A consideração das penas aplicáveis respeita tão-somente à proporcionalidade, tendo em conta as sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (nº 1 do artigo 193º do CPP). A valorar aqui tem-se a circunstância de o arguido ser cidadão português, natural de território nacional, de onde raramente sai, ter profissão, apresentar adequada inserção familiar e social, deixando bem claro que ao perigo de fuga se pode obviar por outras medidas de coação que não a de prisão preventiva, mais que não seja a de obrigação de permanência na habitação, eventualmente mediante controlo à distância através de vigilância eletrónica, caso em que deverá ser solicitada a correspondente informação à direção-geral de reinserção e serviços prisionais.

Não se afigura adequada a obrigação de apresentação periódica, visto envolver a necessidade de comparecer perante entidade judiciária ou órgão de polícia criminal: nº 1 do artigo 198º do CPP. No caso concreto do arguido, afigura-se mesmo que envolveria conflito com o dever de recolhimento domiciliário, dado que a deslocação para “participação em atos processuais perante entidades judiciárias” lhe está vedada por força da interpretação a contrario sensu da alínea l) do nº 1 do artigo 5º do decreto nº 2-B/2020, de 2 de abril.


Termos em que deve ser revogada a prisão preventiva ou ser a mesma substituída por outro regime coativo, o que solicita.


Para tanto, requer a V. Exª que se digne mandar oficiar o estabelecimento prisional para que remeta informação da qual constem as patologias clínicas de que ele padece, observados por médico que ali presta serviço.

Lisboa, 11 de abril de 2020

O Advogado,

REQUERIMENTO PARA ALTERAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM VIRTUDE DO CORONAVÍRUS


217/19.0JDPRT

Exmº Senhor
Juiz de Direito
Juízo Central Criminal de Guimarães
Comarca de Guimarães

Carlos Melchior Morais Salgueiro Coelho, arguido, nos termos consentidos pelos artigos 98º e 63º do código de processo penal, expõe e requer:

A aplicação da prisão preventiva ao arguido teve lugar num contexto em que não se verificava a pandemia causada pelo coronavírus, enquanto vírus da síndrome respiratória aguda grave 2 ou Covid-19 (corona virus disease 2019).

Constitui um chavão banalizado ou frase feita, o estafado cliché segundo o qual o regime coativo se encontra sujeito à condição rebus sic stantibus (o mesmo estado de coisas). Alterando-se as circunstâncias, devem modificar-se as medidas de coação. Embora sejam chapas correntes, encontram algum arrimo no artigo 212º do código de processo penal, como sucedia já anteriormente, desde a entrada em vigor do decreto-lei nº 377/77, de 6 de setembro.

É o que sucede no presente momento, em que efetivamente as circunstâncias se alteraram.

Infelizmente, o arguido acha-se alojado numa cela que partilha com mais reclusos (cfr. artigo 26º do código da execução das penas), sendo impossível manter um distanciamento de dois metros.

Crê o arguido que poderá não ser diminuta a probabilidade de no estabelecimento prisional onde ele se encontra, vir a ter no seu interior indivíduos atingidos pelo vírus, num futuro próximo.

Em criança e na adolescência, o arguido sofreu de dificuldades respiratórias, podendo vir a encontrar-se numa situação de comorbilidade.

Da Recomendação nº 4/B/2020 da Provedora de Justiça, o requerente permite-se respigar o seguinte:

As especificidades do meio prisional, do ponto de vista estrutural, nos edifícios e nas regras de funcionamento, como particularmente do ponto de vista da população alojada, oferecem, na verdade, singulares e agudas razões para acrescida preocupação.
Meio fechado por excelência, funcionando em edifícios que não facilitam ou propiciam a separação entre quem se encontra em reclusão, a proximidade do quantitativo da população presente com as vagas existentes no sistema não faz esquecer a desigual distribuição daquela, em termos que significam, em muitos casos, sobrelotação acentuada e, em geral, dificuldade para adoção de esquemas que propiciem, nesta ocasião, distância social mais marcada.
Tenho acompanhado o teor das medidas de adaptação que a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais vem introduzindo, em resposta articulada com a Autoridade Nacional de Saúde, aos riscos próprios do sistema. Entre as mesmas, realço as que, inevitavelmente com custos para todos os envolvidos, têm sido tomadas para um maior fechamento temporário do mesmo sistema, eliminando visitas e outras atividades que implicam fluxos de entrada ou de saída dos estabelecimentos.
Sucede que este fechamento, ao contrário do que acontece em meio livre, não se afigura suficiente. Não o é em dois planos: primeiro, por ser incompleto, no sentido que persistem os inelutáveis fluxos decorrentes da prestação presencial de serviço pelo pessoal de vigilância, de saúde e outros incompatíveis com o teletrabalho; segundo, por ser reduzido, ao não atender a critérios de afastamento no interior de cada estabelecimento entre todos que aí interagem.
A ocorrência, porventura inevitável, de um foco de infeção em certo estabelecimento pode significar, nas atuais condições, uma extensão significativa do número de afetados, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. Sendo conhecidas as limitações do sistema de saúde prisional para fazer face a um evento de proporções tão extraordinárias como as presentes, o recurso a unidades de um sobrecarregado Serviço Nacional de Saúde acarretaria dificuldades de ordem prática notáveis, como as que se impõem por razões de segurança.
Mais do que estes aspetos de ordem prática, importa ter presente que o Estado não pode deixar de ser particularmente responsável pela salvaguarda dos direitos à vida e à integridade física e psíquica de quem, por execução de pena de prisão ou em razão de qualquer outra medida, se encontra privado de liberdade.

Em conformidade, o arguido requer a utilização dos meios previstos no nº 1 do artigo 7º da lei nº 33/2010, de 2 de setembro, pelo que impetra que seja solicitada a informação a que alude o nº 2 deste artigo 7º.

É obrigatório mandar elaborar esta informação sempre que o arguido solicitar que a mesma seja realizada, sendo forçoso dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 7º da Lei nº 33/2010.

A elaboração daquela informação pelos serviços de reinserção social enquadra-se na economia processual. Encontra-se estabelecida uma gramática processual, que corresponde a um conjunto de regras sobre o andamento dos processos judiciais, não se devendo aqui confundir aquele vocábulo no sentido de normas sobre o uso da linguagem. Está em causa a tramitação processual legalmente consagrada ou, segundo léxico diferente, economia processual vigente. Na economia adjetiva, o primeiro vocábulo da expressão não deve aqui ser entendido na aceção de moderar gastos, reduzir atividades ou de quantia amealhada graças ao corte nas despesas. Assume o significado de normativo que regula o funcionamento de uma dinâmica, neste caso a dos autos judiciais que correm seus termos nos tribunais. Por vezes, é utilizada palavra diversa, na expressão gestão processual. Numa aceção que se afigura imprópria, nalgumas ocasiões, a expressão economia processual surge associada à aludida redução de atividades, à celeridade ou à simplificação. Neste quadro, a Assembleia da República aprovou democraticamente um regime que prevê uma certa tramitação, que tem de ser escrupulosamente cumprida pelos tribunais.

De acordo com aquele regime, cronologicamente seguem-se os atos por esta ordem:
a) Requerimento formulado pelo arguido (n° 1 do artigo 7°);
b) Prévia informação elaborada pelos serviços de reinserção social (n° 2 do artigo 7°);
c) Audição do Ministério Público (n° 3 do artigo 7°);
d) Audição do arguido, que se pronunciará após ser notificado do teor daquela informação (n° 3 do artigo 7°);
e) Decisão "por despacho do juiz" (n° 1 do artigo 7°).

O juiz é titular de um órgão de soberania. Estatui com independência, imparcialmente e no exercício de um poder que apenas a ele lhe compete. Fá-lo sujeitando-se à lei, sem enjeitar os contributos interdisciplinares que permitem apurar qual a situação dos arguidos sem se alhear da realidade que ainda não conhece e que lhe será transmitida pelos serviços de reinserção social, à qual incumbe uma missão a cumprir no domínio judiciário, respeitando a tendência atual de o juiz conhecer o mundo que vai para além do processo e dos códigos, não se abstraindo da vivência concreta experienciada no terreno e cujos elementos são trazidos por especialistas de diferentes áreas do saber, o que tem encontrado consagração na lei substantiva e adjetiva.

Caso o arguido fique sujeito a obrigação de permanência na habitação, o arguido residirá na morada de sua Mãe, Clotilde Branca Vasconcelos Morais, domiciliada na Rua Carlos António Jesus Carvalho, nº 2, 2º andar-esquerdo, Guimarães.

Na eventualidade de não se entender adequada a substituição da prisão preventiva por obrigação de permanência na habitação através de meios de controlo à distância, subsidiariamente o arguido solicita a suspensão da execução da prisão preventiva caso tal seja exigido por razão de doença, nos termos do artigo 211º do código de processo penal, o que conferiria caráter precário à permanência na habitação, restringindo-a ao período da pandemia.

Há que ter sempre presente que uma hipotética ausência ilegítima, que no caso do arguido nunca sucederá, teria como reação a sua imediata captura, nos termos do nº 2 do artigo 12º da Lei nº 33/2010, por qualquer autoridade judiciária ou agente de serviço ou força de segurança.

Termos em que o arguido requer que V. Exª ordene a elaboração da informação a que alude o nº 2 deste artigo 7º da Lei nº 33/2010, de 2 de setembro, com vista à substituição da prisão preventiva por obrigação de permanência na habitação através de meios de controlo à distância ou suspensão da execução da prisão preventiva (artigos 201º, 211º e 212º do código de processo penal).

Lisboa, 30 de março de 2020

O Advogado,

sexta-feira

14. REQUERIMENTO PARA PULSEIRA ELETRÓNICA


52317/18.3PUCBR

Exmº Senhor
Procurador-Adjunto
Departamento de Ação e Investigação Penal de Coimbra
Ministério Público
Comarca de Coimbra

Exmª Senhora
Juíza de Instrução Criminal
Comarca de Coimbra

António Carlos Santos Trincheiras Figueiredo, arguido, nos termos consentidos pelos artigos 98º e 63º do CPP (código de processo penal), expõe e requer:

1. O arguido encontra-se sujeito a medida de coação de prisão preventiva e requer a utilização dos meios previstos no nº 1 do artigo 7º da lei nº 33/2010, de 2 de setembro, pelo que impetra que seja solicitada a informação a que alude o nº 2 deste artigo 7º., por forma a que ele fique submetido a obrigação de permanência na habitação, mediante utilização de meios técnicos de controlo à distância, através de vigilância eletrónica, na modalidade de monitorização telemática posicional, em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 201º do CPP.

2. É obrigatório mandar elaborar esta informação sempre que o arguido solicitar que a mesma seja realizada, sendo forçoso dar cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 7º da Lei nº 33/2010.

3. A realização deste elemento pelos serviços de reinserção social enquadra-se na economia processual. Encontra-se estabelecida uma gramática processual, que corresponde a um conjunto de regras sobre o andamento dos processos judiciais, não se devendo aqui confundir aquele vocábulo no sentido de normas sobre o uso da linguagem. Está em causa a tramitação processual legalmente consagrada ou, segundo léxico diferente, economia processual vigente. Na economia adjetiva, o primeiro vocábulo da expressão não deve aqui ser entendido na aceção de moderar gastos, reduzir atividades ou de quantia amealhada graças ao corte nas despesas. Assume o significado de normativo que regula o funcionamento de uma dinâmica, neste caso a dos autos judiciais que correm seus termos nos tribunais. Por vezes, é utilizada palavra diversa, na expressão gestão processual. Numa aceção que se afigura imprópria, nalgumas ocasiões, a expressão economia processual surge associada à aludida redução de atividades, à celeridade ou à simplificação. Neste quadro, a Assembleia da República aprovou democraticamente um regime que prevê uma certa tramitação, que tem de ser escrupulosamente cumprida pelos tribunais. De acordo com aquele regime, cronologicamente seguem-se os atos por esta ordem: a. Requerimento formulado pelo arguido (n° 1 do artigo 7°); b. Prévia informação elaborada pelos serviços de reinserção social (n° 2 do artigo 7°); c. Audição do Ministério Público (n° 3 do artigo 7°); d. Audição do arguido, que se pronunciará após ser notificado do teor daquela informação (n° 3 do artigo 7°); e. Decisão "por despacho do juiz" (n° 1 do artigo 7°). O juiz é titular de um órgão de soberania. Estatui com independência, imparcialmente e no exercício de um poder que apenas a ele lhe compete. Fá-lo sujeitando-se à lei, sem enjeitar os contributos interdisciplinares que permitem apurar qual a situação dos arguidos sem se alhear da realidade que ainda não conhece e que lhe será transmitida pelos serviços de reinserção social, à qual incumbe uma missão a cumprir no domínio judiciário, respeitando a tendência atual de o juiz conhecer o mundo que vai para além do processo e dos códigos, não se abstraindo da vivência concreta experienciada no terreno e cujos elementos são trazidos por especialistas de diferentes áreas do saber, o que tem encontrado consagração na lei substantiva e adjetiva.

4. Constitui um chavão banalizado ou frase feita, o estafado cliché segundo o qual o regime coativo se encontra sujeito à condição rebus sic stantibus (o mesmo estado de coisas). Alterando-se as circunstâncias, devem modificar-se as medidas de coação.

5. Embora seja chapa corrente, encontra algum arrimo no artigo 212º do CPP, como sucedia já anteriormente, desde a entrada em vigor do decreto-lei nº 377/77, de 6 de setembro.

6. De qualquer modo, uma eventual adesão a semelhante lugar-comum teria de ser temperada com a sujeição ao nº 3 do artigo 193º do CPP, norma que estipula que a obrigação de permanência na habitação deve ser aplicada preferencialmente à prisão preventiva sempre que for suficiente perante as exigências cautelares, deixando a utilização daquele advérbio de tempo bem claro que a aplicação da medida terá lugar em todas as circunstâncias em que se verifique o referido condicionalismo.

7. O despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva justifica tal regime coativo. Por um lado, alude ao perigo de fuga, decorrente da circunstância de a esposa do arguido residir no estrangeiro. De outra banda, menciona o perigo de continuação da atividade criminosa, que resultaria do facto de o arguido poder aceder à empresa onde exercia a sua atividade profissional.

8. Após a prisão do arguido, seu cônjuge regressou definitivamente a Portugal, tendo deixado de morar na Holanda, onde desempenhava as funções de professora, tendo rescindido voluntariamente o respetivo contrato de trabalho e entregue ao senhorio as chaves da casa arrendada onde residia, já nada mais a ligando àquele país, tanto mais que foi readmitida na escola secundária José Falcão, em Coimbra.

9. A sociedade de que o arguido era sócio e gerente foi entretanto dissolvida e liquidada, tendo sido comunicada à autoridade tributária a correspondente cessação de atividade e o imóvel onde estava sedeada está atualmente afeto a um escritório de contabilidade, a que o arguido é completamente alheio.

10. Este novo circunstancialismo será comprovado através da informação a elaborar pela reinserção social, que constitui meio de prova correspondente a diligência probatória que ao arguido se afigura necessária: alínea g) do nº 1 do artigo 61º do CPP.

11. Se não estiverem hoje completamente arredados, aqueles riscos de fuga e de continuação da atividade criminosa encontram-se, pelo menos, significativamente mitigados.

12. A obrigação de permanência na habitação, consagrada no artigo 201º do CPP, é medida privativa da liberdade que satisfaz as exigências de necessidade cautelar (nº 1 do artigo 191º do CPP) de forma adequada e respeitando o princípio da proporcionalidade, sendo desnecessária a sujeição a medida mais gravosa (artigo 193º, nº 1 do CPP).

13. Há que ter sempre presente que uma hipotética ausência ilegítima, que no caso do arguido nunca sucederá, teria como reação a sua imediata captura, nos termos do nº 2 do artigo 12º da Lei nº 33/2010, por qualquer autoridade judiciária ou agente de serviço ou força de segurança.

14. Como local para execução da medida, o arguido indica a sua casa sita na Rua das Acácias, nº 39, 3º andar, 3150-240 Condeixa-a-Velha.

Termos em que requer que V. Exª se digne solicitar prévia informação aos serviços de reinserção social, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 7º da Lei nº 33/2010, de 2 de setembro, tendo em vista a aplicação da medida de coação prevista no nº 1 desse preceito.

14 de dezembro de 2018

O Advogado,

segunda-feira

13. REQUERIMENTO PARA SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO

588/14.3CRLSB

Exmº Senhor
Procurador-Adjunto
Departamento de Ação e Investigação Penal
Ministério Público
Comarca de Viseu

Ana Isabel Queirós Jesus Mendes Alves, arguida nos autos acima referidos, nos termos do disposto nos artigos 281º e 282º do código de processo penal, expõe e requer:

À arguida é imputada a prática de um crime de furto, previsto e punido pelo nº 1 do artigo 203º do código penal. A pena máxima para tal delito é de três anos de prisão.
No processo, ninguém foi constituído assistente. Com efeito, a queixosa Carla Patrícia Venceslau Almeida Oliveira apenas procedeu a participação criminal.
O grau de culpa não se pode ter como elevado.
Nunca a arguida foi condenada por crime contra o património nem lhe foi aplicada suspensão provisória por ilícito de tal natureza.
As exigências de prevenção atingem-se cabalmente pelo mecanismo da suspensão provisória do processo.
Nestes termos, requer a V. Exª que se digne determinar a suspensão provisória do processo, pelo prazo de seis meses, mediante pagamento de indemnização à ofendida no montante de € 550,00, no prazo de trinta dias, e entrega da quantia de € 300,00 à associação “Sonho de Esperança”, no prazo de sessenta dias.
O Advogado,

NOTAS:

1. A suspensão provisória do processo tem como consequência a não realização do julgamento. Em vez de deduzir acusação, o Ministério Público propõe ao juiz de instrução criminal a aplicação deste mecanismo.
2. O pressuposto prévio é que a moldura penal não tenha limite máximo de prisão superior a 5 anos.
3. Caso exista assistente, a suspensão apenas é viável na eventualidade de ele concordar.
4. De igual modo, não pode ter havido anterior processo que tenha terminado com condenação ou suspensão provisória, respeitante a crime da mesma natureza.
A natureza do ilícito é determinada consoante o bem jurídico protegido. Todas as normas incriminatórias têm como objetivo acautelar determinado valor fundamental da comunidade: património, vida, integridade física, liberdade sexual, honra, saúde pública, reserva da vida privada, entre outros.
Caso o arguido já tenha sido condenado por dano, não poderá beneficiar de suspensão provisória em novo processo, estando em causa furto, por exemplo.
5. É também necessário que o grau de culpa não seja elevado. Neste caso, o conceito de culpa coincide com o previsto no nº 2 do artigo 40º do código penal. Não está em causa a culpa a que se referem os artigos 14º e 15º desse compêndio normativo.
6. Importa também que a suspensão provisória seja suficiente para evitar a futura prática de crimes. Assim, atinge-se a prevenção.
7. Não é indispensável sugerir logo as regras de conduta e injunções. Todavia, o arguido pode propô-las. Havendo ofendido ou lesado, importa proceder à reparação. Se os danos forem apenas morais, um pedido formal de desculpas poderá revelar-se adequado. Uma forma de substituir a punição, que normalmente traduzir-se-ia em multa, consiste em realizar um donativo a uma instituição de solidariedade social. Nessa eventualidade, pode aventar-se uma data limite para cumprir tais deveres.
8. Pode alvitrar-se um prazo para a suspensão. Durante esse período de tempo, caso o arguido cometa um crime da mesma natureza, o processo não será arquivado.

sexta-feira

12. RECURSO DE SENTENÇA (Tráfico de estupefacientes)


Proc. nº 9751/09.7BACMN

Exmº Senhor:
Juiz de Direito do
Tribunal Judicial da Comarca de Caminha

Álvaro Campos Trincheiras Monteiro, arguido nos autos acima referidos,

não se conformando com a douta sentença proferida nos autos acima referidos, vem dela interpor recurso para o Tribunal da Relação de Évora, com efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos (artigos 411º, 406º e 407º do Código de Processo Penal), o que faz nos seguintes termos:

VENERANDOS DESEMBARGADORES DO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

MOTIVAÇÃO

OBJECTO DO RECURSO

Por douta sentença, o arguido foi julgado co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro e condenado a 5 anos e 4 meses de prisão.

Foi absolvido de um crime de que vinha acusado: falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, e) do Código Penal.

NULIDADE DA SENTENÇA

A sentença é nula, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 379º do CPP.

Com efeito, dá-se como provado que um certo “encontro serviu para Frederico Tomás Silva e os referidos Álvaro tratarem de assuntos relacionados com a comercialização de resina de cannabis” (nº 29 dos factos provados).

Ora o que figura no artigo 29º da acusação é o seguinte: “o referido encontro serviu para Frederico Tomás Silva pagar aos arguidos Álvaro e François Paulo Gomes quantia cujo valor não se conseguiu apurar, e que lhes devia pela aquisição de estupefaciente”.

Genericamente, estupefaciente é uma substância que actua no sistema nervoso, com capacidade de provocar analgesia, sono ou inconsciência e cujo uso prolongado causa dependência. Consoante o caso, pode ou não constar das tabelas anexas ao Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro. Mesmo que figure em tais quadros, pode ou não ser autorizada a sua comercialização (artigo 4º do Decreto-Lei nº 15/93).

Portanto, o que se menciona no artigo 29º da acusação não assume relevância jurídico-penal: Frederico Tomás Silva pagou aos arguidos Álvaro e François Paulo Gomes uma quantia que lhes devia pela aquisição de estupefaciente. É inócuo. Como não se concretiza que substância tinha sido adquirida, é impossível enquadrá-la nas tabelas anexas ao Decreto-Lei nº 15/93.

Já o tribunal transformou, inovou, criou um texto diverso, inventou factos diferentes, dizendo que os arguidos estavam a tratar “de assuntos relacionados com a comercialização de resina de cannabis”.

Veio, portanto, concretizar a substância, dizendo consistir em “resina de cannabis”. Há um erro de ortografia. Cannabis é o nome científico de uma planta. Canábis é um preparado feito a partir dessa planta. Portanto, o que se consome é canábis (erva) ou resina de canábis (haxixe) - cfr. a referida Tabela I-C.

O Tribunal veio a condenar o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro por factos diversos dos descritos na acusação.

Deste modo, a sentença é nula – alínea b) do nº 1 do artigo 379º do CPP.

MATÉRIA ERRADAMENTE DADA COMO PROVADA

Entre outros pontos, o tribunal a quo incorreu em erro, ao dar como provados os factos constantes dos nºs 1 a 3, no que ao arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro respeita:

1) “Os arguidos Álvaro Campos Trincheiras Monteiro e João Paulo Travessa Ramos Sousa, juntamente com François Paulo Gomes Ramos Sousa, dedicam-se, pelo menos desde Janeiro de 2010, à distribuição de resina de cannabis [sic] nas zonas de Riba de Âncora e Caminha”

2) “Estes arguidos, entre outros indivíduos, introduziam resina de cannabis em Portugal produto que vendiam a várias pessoas que, posteriormente, a vendiam aos consumidores”

3) “Assim, no âmbito do esquema que montaram para a distribuição de estupefaciente, vendiam resina de cannabis aos arguidos Frederico Tomás Silva, Gonçalo Jorge Vieira e Afonso MiguelMartins”.

ESCUTAS TELEFÓNICAS

De todo o acervo de escutas telefónicas, não há uma única conversação que se possa considerar que tenha como um dos interlocutores o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

O tribunal considerou que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro conversou telefonicamente com Gonçalo Jorge Vieira, utilizando um aparelho com o número 952157383 (pág, 41 da sentença). Tudo porque há um cidadão turco que se identifica “como amigo do Maradona (Maradona é o nome pelo qual responde François Paulo Gomes)”. Ora esse amigo só poderia ser o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

Nada permite retirar essa conclusão peremptória:

- Não se mencionam que conversações telefónicas são essas, por referência às escutas transcritas

- Não se explica em que medida as conversações tinham como objecto a venda de resina de canábis a Gonçalo Jorge Vieira

- Não se esclarece como se chegou à conclusão que era um cidadão turco que utilizava o número 952157383

- Não se elucida por que razão o único amigo do Maradona (François Paulo Gomes Ramos Sousa) seria o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

NA COMPANHIA DE FRANÇOIS PAULO GOMES RAMOS SOUSA

Segundo o tribunal, aqueles factos devem ser tidos como provados, pois o “arguido Álvaro andava sempre na companhia de François Paulo Gomes Ramos Sousa”.

Tal afirmação afigura-se logo problemática, por três motivos:

- François Paulo Gomes Ramos Sousa não foi condenado pela venda de resina de canábis

- É dificilmente aceitável que duas pessoas andem sempre juntas

- François Paulo Gomes Ramos Sousa esteve hospitalizado e, posteriormente, o seu paradeiro passou a ser desconhecido.

O depoimento da testemunha Afonso Miguel Rodrigues Martins, inspector da PJ, não vai nesse sentido. Vai precisamente na direcção de que nunca chega a saber quem verdadeiramente falava ao telefone:

Começamos então propriamente a investigar a rede turca, a parte turca, com uma dificuldade tremenda” (sessão de 8 de Junho de 2010, 5m55s)

À medida que os telefones iam surgindo, íamos colocando os telefones da rede turca sob intercepção” (sessão de 8 de Junho de 2010, 6m55s)

Em meados de Maio, dou com o Sr. Gonçalo Jorge Vieira a ser contactado por um senhor de pronúncia turca” (sessão de 8 de Junho de 2010, 4m25s).

Ou seja, a testemunha Afonso Miguel Rodrigues Martins não consegue identificar quem são os turcos que falam ao telefone. Apesar de fazer vigilâncias, apenas verificou que François Paulo Gomes e o arguido se hospedaram numa residencial em Riba de Âncora (pág. 40 da sentença).

A verdade é a que consta da sentença: o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro “nunca foi visto a deter/transaccionar produto estupefaciente nem foi possível identificá-lo pelo nome em intercepções telefónicas” (pág. 39 da sentença).

O facto de o arguido Álvaro acompanhar outra pessoa não permite concluir que ele se dedicava a distribuir e vender resina de canábis.

APREENSÃO DE RESINA DE CANÁBIS AO ARGUIDO JOÃO PAULO TRAVESSA RAMOS SOUSA

O Tribunal retirou ainda aquelas conclusões porque “conforme referido pela testemunha Ilídio Manuel Cabrita Nascimento, […] o arguido Álvaro encontrava-se juntamente com o François Paulo Gomes Ramos Sousa e João Paulo Travessa Ramos Sousa na noite de 01 de Agosto de 2010 – quando o mesmo foi detido na posse de quase oito quilos de resina de cannabis que trazia num saco igual àquele que, segundo o depoimento do aludido militar [Ilídio Manuel Cabrita Nascimento, da GNR], se encontrava na viatura Mercedes na noite anterior” (pág. 41 da sentença). O “mesmo” é João Paulo Travessa Ramos Sousa.

Não é assim, por dois motivos:

a) O arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro esteve com João Paulo Travessa Ramos Sousa nesse mesmo dia, mas não no momento em que este foi detido sendo portador do haxixe. Separaram-se e seguiram em viaturas diferentes. Álvaro seguiu num Mercedes. João Paulo Travessa Ramos Sousa foi num VW Golf.

b) A testemunha Ilídio Manuel Cabrita Nascimento não merece credibilidade quanto ao saco, pois tanto diz tratar-se de um saco azul de plástico que se rasgou como afirma ser uma mochila. Aliás, nas fotografias que juntou após o seu depoimento, menciona tratar-se de uma mochila com bonecos.

São estas as declarações da testemunha Ilídio Manuel Cabrita Nascimento:

Chego por volta das 20h00m a Azevedo ou talvez um bocadinho mais cedo” (sessão de 8 de Junho de 2010, 15m51s).

A determinada altura, os indivíduos ausentam-se do café. O Sr. Campos Trincheiras Monteiro e o outro indivíduo [François Paulo Gomes] colocam-se no interior do Mercedes e o Sr. João Paulo Travessa Ramos Sousa entra na sua viatura, […] ao volante do Volkswagen Golf” (sessão de 8 de Junho de 2010, 18m25s).

Começo a pensar, com o meu espírito aventureiro, pensei para mim, tenho que lá ir” (sessão de 8 de Junho de 2010, 22m18s).

Vejo o Sr. João Paulo Travessa Ramos Sousa com um saco azul às costas” (sessão de 8 de Junho de 2010, 23m17s).

Um saco azul de plástico. Esse mesmo saco estava no interior do Mercedes no dia anterior” (sessão de 8 de Junho de 2010, 24m00s).

“Procurador da República - O saco azul de plástico?
Testemunha – Sim” (sessão de 8 de Junho de 2010, 24m05s).

Entramos em conforto [sic] físico […] o saco rasga-se, o saco rasgou-se, há ali um confronto físico, consigo-o dominar […] estou perante o haxixe” (sessão de 8 de Junho de 2010, 25m02s)

“Testemunha - No local, eu apreendi cerca de 9 quilos de haxixe.
Defensor do arguido Campos Trincheiras Monteiro - A quem?
Testemunha- Ao Sr. João Paulo Travessa Ramos Sousa. [….]
Defensor do arguido Campos Trincheiras Monteiro -Mas essa droga antes tinha estado nas mãos do Campos Trincheiras Monteiro?
Testemunha – Não. Que eu tenha visto, não” (sessão de 8 de Junho de 2010, 2ª parte do depoimento com início às 14h33m, 22m10s).

APENAS ÁLVARO CAMPOS TRINCHEIRAS MONTEIRO ENCONTRAVA-SE EM LIBERDADE

Na sentença, demonstra-se um raciocínio inaceitável, na página 42.

O arguido Gonçalo Jorge Vieira comprava droga a turcos.

João Paulo Travessa Ramos Sousa foi preso.

François Paulo Gomes Ramos Sousa estava internado.

O único que estava em liberdade era Álvaro Campos Trincheiras Monteiro. Portanto, era ele que vendia a droga a Gonçalo Jorge Vieira.

Como se em Portugal só houvesse 3 turcos…

É absurdo dizer que “apenas Álvaro (dos três arguidos turcos acusados) se encontrava em liberdade”.

Tem de se admitir a hipótese de o arguido Gonçalo Jorge Vieira comprar droga a outras pessoas, para além dos arguidos acusados neste processo.

Aliás, no ponto 2 da matéria de facto dada como provada, declara-se que “estes arguidos, entre outros indivíduos, introduziam droga em Portugal”.

ÁLVARO CAMPOS TRINCHEIRAS MONTEIRO ESTEVE JUNTO DE FREDERICO TOMÁS SILVA E DISSE NÃO O CONHECER

Efectivamente, o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro admitiu ter estado com François Paulo Gomes Ramos Sousa junto ao arguido Frederico Tomás Silva.

Mas daí não se retira que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro tenha vendido droga ao arguido Frederico Tomás Silva. Nem tal consta da acusação. Figura apenas aquela vaga imputação de que Frederico Tomás Silva pagou aos arguidos Álvaro e François Paulo Gomes uma quantia que lhes devia pela aquisição de estupefaciente. E tal nem sequer foi dado como provado pelo tribunal, que considerou que eles estavam a tratar de assuntos.

ÁLVARO CAMPOS TRINCHEIRAS MONTEIRO NÃO TRABALHAVA E NÃO DISPUNHA DE QUALQUER RENDIMENTO

O arguido requereu que fosse oficiado o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal e as autoridades espanholas, no sentido de comprovar que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro, no período em causa, vivia e trabalhava em Inglaterra.

Tal pretensão foi indeferida.

Impõe-se que seja produzida prova nesse sentido, realizando-se novo julgamento, pelo menos nessa medida – artigos 410º, nº 2 e 426º do CPP

NO PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL, JOÃO PAULO TRAVESSA RAMOS SOUSA DECLAROU QUE ÁLVARO CAMPOS TRINCHEIRAS MONTEIRO VENDIA DROGA

Em sede de audiência de julgamento, o arguido João Paulo Travessa Ramos Sousa negou que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro vendesse droga.

Explicou que foi espancado por elementos policiais e que, aquando do primeiro interrogatório judicial, foi levado a dizer aquilo que esses agentes policiais pretendiam que ele afirmasse.

Não se trata de considerar o meio de prova como inadmissível, nos termos do artigo 126º do CPP.

O que está em causa é o disposto no nº 4 do artigo 345º do CPP, pois aquando do primeiro interrogatório do arguido João Paulo Travessa Ramos Sousa, o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro não teve a oportunidade de exercer o contraditório, como é óbvio.

OS PONTOS nºS 1 a 3 NÃO DEVEM SER DADOS COMO PROVADOS

O ponto nº 2 é vago e impreciso:

- Os arguidos Álvaro Campos Trincheiras Monteiro, João Paulo Travessa Ramos Sousa e François Paulo Gomes Ramos Sousa introduziam resina de cannabis em Portugal: mas não se esclarece de que país a traziam, pelo que de nada serve esta referência à introdução em Portugal

- “Entre outros indivíduos”: seria realmente descabido pretender dizer que eles tinham a exclusividade de introduzir a substância em Portugal

- “Vendiam a várias pessoas”: não serve de nada tal afirmação, pois o que releva é o que figura no ponto nº 3 (vendiam aos arguidos Frederico Tomás Silva, Gonçalo Jorge Vieira e Afonso Miguel Martins)

- “que, posteriormente, a vendiam aos consumidores”: obviamente, é patente que a resina de canábis se destina a ser consumida, pelo que sem identificar os compradores, não vale a pena dizer que era vendida a consumidores.

O ponto nº 2 deve ser eliminado dos factos provados, por irrelevante.

Quanto ao ponto nº 1, pelo acima exposto, não deve dar-se como provado que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro dedicava-se, pelo menos desde Janeiro de 2010, à distribuição de resina de canábis, nas zonas de Riba de Âncora e Caminha.

Relativamente ao ponto nº 3, também pelas mesmas razões supra aduzidas, não deve ser dado como provado que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro vendia resina de canábis aos arguidos Frederico Tomás Silva, Gonçalo Jorge Vieira e Afonso MiguelMartins.

IRRELEVÂNCIA JURÍDICO-PENAL DO PONTO nº 29

No nº 29, foi dado como provado que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro e François Paulo Gomes Ramos Sousa se encontraram com o arguido Frederico Tomás Silva com uma finalidade: “tratarem de assuntos relacionados com a comercialização de resina de cannabis”.

Nada mais se esclarece.

Desconhece-se se era uma conversa abstracta e teórica sobre a comercialização de haxixe e valores de mercado. Ignora-se se estariam a planear algum negócio, naquilo que consistiria em meros actos preparatórios não puníveis. Fica-se sem saber se os três falavam sobre alterações legislativas que permitissem a comercialização de drogas leves.

Tratar de assuntos não é crime. Não preenche nenhum dos elementos objectivos do tipo previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

PONTO nº 12: ERRADAMENTE DADO COMO PROVADO

O tribunal considerou provado que o arguido Gonçalo Jorge Vieira manteve-se em contacto telefónico com o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

O depoimento da testemunha Afonso Miguel Rodrigues Martins, inspector da PJ, não vai nesse sentido. Vai precisamente na direcção de que nunca chega a saber quem verdadeiramente falava ao telefone:

Começamos então propriamente a investigar a rede turca, a parte turca, com uma dificuldade tremenda” (sessão de 8 de Junho de 2010, 5m55s)

À medida que os telefones iam surgindo, íamos colocando os telefones da rede turca sob intercepção” (sessão de 8 de Junho de 2010, 6m55s)

Em meados de Maio, dou com o Sr. Gonçalo Jorge Vieira a ser contactado por um senhor de pronúncia turca” (sessão de 8 de Junho de 2010, 4m25s).

Ou seja, a testemunha Afonso Miguel Rodrigues Martins não consegue identificar quem são os turcos que falam ao telefone.

A verdade é a que consta da sentença: o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro “nunca foi visto a deter/transaccionar produto estupefaciente nem foi possível identificá-lo pelo nome em intercepções telefónicas” (pág. 39 da sentença).

IRRELEVÂNCIA JURÍDICO-PENAL DOS PONTOS nºs 14, 15, 16, 18 a 21, 26 e 28.

Os factos aí descritos não integram nenhum elemento objectivo do tipo previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro ou de qualquer outro ilícito:

- O arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro encontrou-se com o arguido Frederico Tomás Silva (nº 14)

- Fez-se transportar num Mercedes (nº 15)

- Na companhia de François Paulo Gomes, encontrou-se com João Paulo Travessa Ramos Sousa num café (nº 16)

- Saiu do café e entrou no Mercedes, juntamente com François Paulo Gomes (nº 18)

- Dirigiu-se para a Estrada Nacional e mudou de direcção à esquerda (nº 19)

- Embrenhou-se a pé no mato (nº 20)

- Regressou para o Mercedes (nº 21)

- Conjuntamente com François Paulo Gomes, combinou encontrar-se com o arguido Frederico Tomás Silva (nº 26)

- Conjuntamente com François Paulo Gomes, encontrou-se com o arguido Frederico Tomás Silva (nº 28)

São estes os factos dados como provados e que respeitam ao arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

Ora, constituem elementos objectivos do tipo previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93:

- distribuição, venda, transporte ou detenção ilícita

- de substância

- elencada nas tabelas I a III

- falta de autorização para distribuição, venda, transporte ou detenção.

Os factos descritos não permitem a sua integração no tipo, pelo que são irrelevantes.

Nada mais é descrito. Não é proibido fazer telefonemas, marcar encontros, ir a um café, embrenhar-se a pé no mato ou conduzir um Mercedes.

VIOLAÇÃO DO ARTIGO 21º, nº 1 do DECRETO-LEI nº 15/93

Ao julgar o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro autor de um crime previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, o tribunal violou este preceito, porquanto dos factos provados não resulta uma narração quanto ao momento temporal, ao local e à quantidade vendida de resina de canábis aos arguidos Frederico Tomás Silva, Gonçalo Jorge Vieira e Afonso MiguelMartins.

DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

Por cautela de patrocínio,

Erradamente e em violação do disposto nos artigos 71º e 40º do Código Penal, o tribunal considerou os seguintes factores:

- ausência de confissão

- presunção de que o dinheiro apreendido resultava da actividade criminosa

- falta de estrutura familiar, social e profissional estável em Portugal.

A confissão pode demonstrar arrependimento e, nesse nível, relevar para a fixação da medida concreta da pena.

Mas a ausência de confissão não pode ser interpretada como falta de sentido crítico e de interiorização da gravidade da conduta. Pode tratar-se de mera postura processual, estratégia de defesa ou exercício de um direito.

Não foi dado como provado que o dinheiro resultasse da actividade criminosa (nº 35 dos factos provados).

Apenas foi dado como provado que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro “desde o ano de 2009, após ter um acidente, não trabalha, dependendo da ajuda de familiares” (nº 59 dos factos provados). Nada permite concluir pela falta de estrutura familiar, social e profissional estável em Portugal.

Os artigos 71º e 40º do Código Penal impõem que ao arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro não seja aplicada pena superior a 4 anos de prisão.

O grau de ilicitude tem de se ter por desconhecido.

Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro (nº 58 dos factos provados), circunstância que não foi levada em consideração para graduar a pena. Veja-se o que consta da pág, 54 da sentença: “A favor dos arguidos Gonçalo Jorge, Afonso Miguel Martins e José Miguel, é de referir que não lhe são conhecidos antecedentes criminais no âmbito de tráfico de estupefacientes”.

O artigo 50º do Código Penal impõe a suspensão da execução da pena, sobretudo tendo em conta a ausência de antecedentes criminais.

CONCLUSÕES

1º O Tribunal condenou o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro por factos diversos dos descritos na acusação. A sentença é nula – alínea b) do nº 1 do artigo 379º do CPP.

2º Alegava-se no artigo 29º da acusação: “o referido encontro serviu para Frederico Tomás Silva pagar aos arguidos Álvaro e François Paulo Gomes quantia cujo valor não se conseguiu apurar, e que lhes devia pela aquisição de estupefaciente”. Juridicamente, é inócuo, pois um estupefaciente, consoante o tipo, pode ou não constar das tabelas anexas ao Decreto-Lei nº 15/93.

3º A sentença concretizou a substância, dizendo consistir em “resina de cannabis”. O tribunal transformou, inovou, criou um texto diverso, inventou factos diferentes, dizendo que o “encontro serviu para Frederico Tomás Silva e os referidos Álvaro tratarem de assuntos relacionados com a comercialização de resina de cannabis” (nº 29 dos factos provados).

4º Uma precisão terminológica e ortográfica. Cannabis é o nome científico de uma planta. Canábis é um preparado feito a partir dessa planta. Portanto, o que se consome é canábis (erva) ou resina de canábis (haxixe) - cfr. a Tabela I-C.

5º O tribunal errou ao dar como provados os factos constantes dos nºs 1 a 3, no que ao arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro respeita:

a) Pelo menos desde Janeiro de 2010, dedicava-se a distribuir resina de canábis nas zonas de Riba de Âncora e Caminha

b) Introduzia resina de canábis em Portugal, produto que vendia a várias pessoas que, posteriormente, a vendiam aos consumidores

c) Vendia resina de canábis aos arguidos Frederico Tomás Silva, Gonçalo Jorge Vieira e Afonso Migue lMartins

6º Não há uma única conversação telefónica que se possa considerar que tenha como um dos interlocutores o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

7º Porém, o tribunal concluíu que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro conversou telefonicamente com Gonçalo Jorge Vieira, utilizando um aparelho com o número 952157383 (pág, 41 da sentença). Apenas e tão-só porque há um cidadão turco que se identifica “como amigo do Maradona (Maradona é o nome pelo qual responde François Paulo Gomes)”. Ora esse amigo só poderia ser o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

8º É uma conclusão errada:
a) Não se mencionam que conversações telefónicas são essas, por referência às escutas transcritas

b) Não se explica em que medida as conversações tinham como objecto a venda de resina de canábis a Gonçalo Jorge Vieira

c) Não se esclarece como se chegou à conclusão que era um cidadão turco que utilizava o número 952157383

d) Não se elucida por que razão o único amigo do Maradona (François Paulo Gomes Ramos Sousa) seria o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

9º Segundo o tribunal, o “arguido Álvaro andava sempre na companhia de François Paulo Gomes Ramos Sousa”, pelo que os factos nºs 1 a 3 devem ser dados como provados.

10º Tal afirmação é implausível, por três motivos:

- François Paulo Gomes Ramos Sousa não foi condenado pela venda de resina de canábis

- É dificilmente aceitável que duas pessoas andem sempre juntas

- François Paulo Gomes Ramos Sousa esteve hospitalizado e, posteriormente, o seu paradeiro passou a ser desconhecido.

11º O facto de o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro acompanhar outra pessoa não permite concluir que ele se dedicava a distribuir e vender resina de canábis.

12º Na motivação, o tribunal admite que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro “nunca foi visto a deter/transaccionar produto estupefaciente nem foi possível identificá-lo pelo nome em intercepções telefónicas” (pág. 39 da sentença).

13º O depoimento da testemunha Afonso Miguel Rodrigues Martins, inspector da PJ, vai no sentido de que nunca chegou a saber quem eram os turcos que falavam ao telefone. A testemunha Afonso Miguel Rodrigues Martins não consegue identificar quem são os turcos que falam ao telefone. Apesar de fazer vigilâncias, apenas verificou que François Paulo Gomes e o arguido se hospedaram numa residencial em Riba de Âncora (pág. 40 da sentença).

14º O tribunal considerou ainda como provados os factos nºs 1 a 3, com base no seguinte raciocínio: o arguido João Paulo Travessa Ramos Sousa foi detido na posse de quase 8 kg de resina de canábis, acondicionada num saco igual ao que, no dia anterior, se encontrava no automóvel conduzido pelo arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

15º Não há saco nenhum nos autos. Tudo se baseia no depoimento da testemunha Ilídio Manuel Cabrita Nascimento, da GNR, que não conseguiu explicar cabalmente tal circunstância do saco. Tanto diz tratar-se de um saco azul de plástico que se rasgou como afirma ser uma mochila. Aliás, nas fotografias que juntou após o seu depoimento, menciona tratar-se de uma mochila com bonecos.

16º Por outro lado, o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro esteve com João Paulo Travessa Ramos Sousa nesse mesmo dia, mas não no momento em que este foi detido sendo portador do haxixe. Separaram-se e seguiram em viaturas diferentes. Álvaro seguiu num Mercedes. João Paulo Travessa Ramos Sousa foi num VW Golf.

17º Para dar como provados os factos nºs 1 a 3, o tribunal procede a uma consideração inaceitável, sem lógica (pág. 42 da sentença). O arguido Gonçalo Jorge Vieira comprava droga a turcos. João Paulo Travessa Ramos Sousa foi preso. François Paulo Gomes Ramos Sousa estava internado. O único que estava em liberdade era Álvaro Campos Trincheiras Monteiro. Portanto, era ele que vendia a droga a Gonçalo Jorge Vieira.

18º Como se em Portugal só houvesse 3 turcos…

19º É inadmissível afirmar que “apenas Álvaro (dos três arguidos turcos acusados) se encontrava em liberdade”. Tem de se admitir a hipótese de o arguido Gonçalo Jorge Vieira comprar droga a outras pessoas, para além dos arguidos acusados neste processo.

20º Aliás, no ponto 2 da matéria de facto dada como provada, declara-se que “estes arguidos, entre outros indivíduos, introduziam droga em Portugal”.

21º O tribunal deu como provados os factos nºs 1 a 3 também porque o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro admitiu ter estado com François Paulo Gomes Ramos Sousa junto ao arguido Frederico Tomás Silva, embora tenha esclarecido que não conhecia este último.

22º Daí não se retira que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro tenha vendido droga ao arguido Frederico Tomás Silva. Nem tal consta da acusação. Figura apenas aquela vaga imputação de que Frederico Tomás Silva pagou aos arguidos Álvaro e François Paulo Gomes uma quantia que lhes devia pela aquisição de estupefaciente. E tal nem sequer foi dado como provado pelo tribunal, que considerou que eles estavam a tratar de assuntos

23º O tribunal considerou que estavam provados os factos nºs 1 a 3, visto que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro não trabalhava e não dispunha de qualquer rendimento.

24º Ora o arguido requereu que fosse oficiado o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal e as autoridades espanholas, no sentido de comprovar que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro, no período em causa, vivia e trabalhava em Inglaterra. Tal pretensão foi indeferida. Impõe-se que seja produzida prova nesse sentido, realizando-se novo julgamento, pelo menos nessa medida – artigos 410º, nº 2 e 426º do CPP.

25º O tribunal valorou as declarações do co-arguido, prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial, durante o qual ele afirmou que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro vendia droga.

26º Na audiência de julgamento, o arguido João Paulo Travessa Ramos Sousa negou que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro vendesse droga.

27º Não é lícito o recurso ao que o arguido João Paulo Travessa Ramos Sousa afirmou no primeiro interrogatório, por força do disposto no nº 4 do artigo 345º do CPP. Aquando do primeiro interrogatório do arguido João Paulo Travessa Ramos Sousa, o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro não teve a oportunidade de exercer o contraditório, como é óbvio.

28º Deste modo, os pontos nºs 1 a 3 não devem ser dados como provados, no que ao arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro concerne.

29º O ponto nº 2 deve ser eliminado dos factos provados, por irrelevante. Não se esclarece de que país os arguidos traziam a droga, pelo que de nada serve a referência à sua introdução em Portugal. Diz-se que eram eles que introduziam resina de canábis em Portugal, “entre outros indivíduos”. Realmente, seria descabido pretender dizer que eles tinham a exclusividade de introduzir a substância em Portugal. Também se declara que “vendiam a várias pessoas”. Tal é impreciso e o que importa é o que figura no nº 3 (vendiam aos arguidos Frederico Tomás Silva, Gonçalo Jorge Vieira e Afonso Miguel Martins). Acrescenta-se que as “várias pessoas […] posteriormente a vendiam aos consumidores”. Obviamente, é patente que a resina de canábis se destina a ser consumida, pelo que sem identificar os compradores, não vale a pena dizer que era vendida a consumidores.

30º Quanto aos pontos nºs 1 e 3, pelo acima exposto, não deve dar-se como provado que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro dedicava-se, pelo menos desde Janeiro de 2010, à distribuição de resina de canábis, nas zonas de Riba de Âncora e Caminha e que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro vendia resina de canábis aos arguidos Frederico Tomás Silva, Gonçalo Jorge Vieira e Afonso Miguel Martins.

31º O ponto nº 29 não reveste relevância jurídico-penal. Dá-se como provado que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro e François Paulo Gomes Ramos Sousa se encontraram com o arguido Frederico Tomás Silva com uma finalidade: “tratarem de assuntos relacionados com a comercialização de resina de cannabis”.

32º Tratar de assuntos não é crime. Não preenche nenhum dos elementos objectivos do tipo previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

33º Desconhece-se se era uma conversa abstracta e teórica sobre a comercialização de haxixe e valores de mercado. Ignora-se se estariam a planear algum negócio, naquilo que consistiria em meros actos preparatórios não puníveis. Fica-se sem saber se os três falavam sobre alterações legislativas que permitissem a comercialização de drogas leves.

34º No ponto nº 12, o tribunal deu erradamente como provado que o arguido Gonçalo Jorge Vieira manteve-se em contacto telefónico com o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro.

35º A verdade é que, segundo a própria motivação da sentença, o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro “nunca foi visto a deter/transaccionar produto estupefaciente nem foi possível identificá-lo pelo nome em intercepções telefónicas” (pág. 39 da sentença).

36º Não é possível identificá-lo pelo nome nem por outro meio, como resulta do depoimento da testemunha Afonso Miguel Rodrigues Martins, inspector da PJ, que não consegue identificar quem são os turcos que falam ao telefone.

37º Não assumem relevância jurídico-penal os factos descritos nos pontos nºs 14, 15, 16, 18 a 21, 26 e 28 da matéria dada como provada. Não integram nenhum elemento objectivo do tipo previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro ou de qualquer outro ilícito.

38º Não é proibido fazer telefonemas, marcar encontros, ir a um café, embrenhar-se a pé no mato ou conduzir um Mercedes.

39º Nada mais é descrito. O arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro encontrou-se com o arguido Frederico Tomás Silva (nº 14), fez-se transportar num Mercedes (nº 15), na companhia de François Paulo Gomes, encontrou-se com João Paulo Travessa Ramos Sousa num café (nº 16), saiu do café e entrou no Mercedes, juntamente com François Paulo Gomes (nº 18), dirigiu-se para a Estrada Nacional e mudou de direcção à esquerda (nº 19), embrenhou-se a pé no mato (nº 20), regressou para o Mercedes (nº 21), conjuntamente com François Paulo Gomes, combinou encontrar-se com o arguido Frederico Tomás Silva (nº 26) e conjuntamente com François Paulo Gomes, encontrou-se com o arguido Frederico Tomás Silva (nº 28).

40º Os elementos objectivos do tipo previsto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93 são os seguintes:

- distribuição, venda, transporte ou detenção ilícita

- de substância

- elencada nas tabelas I a III

- falta de autorização para distribuição, venda, transporte ou detenção.

41º Os factos narrados não permitem a sua integração no tipo, pelo que são irrelevantes.

42º O tribunal violou o artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, ao julgar o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro autor desse crime. Dos factos provados não resulta uma narração quanto ao momento temporal, ao local e à quantidade vendida de resina de canábis aos arguidos Frederico Tomás Silva, Gonçalo Jorge Vieira e Afonso Miguel Martins.

43º Por cautela de patrocínio, quanto à medida concreta da pena, o tribunal, em violação dos artigos 71º e 40º do Código Penal, o tribunal considerou os seguintes factores:

- ausência de confissão

- presunção de que o dinheiro apreendido resultava da actividade criminosa

- falta de estrutura familiar, social e profissional estável em Portugal.

44º Ora a confissão pode revelar arrependimento e, assim, contar para a fixação da medida concreta da pena. No entanto, a ausência de confissão não pode ser interpretada como falta de sentido crítico e de interiorização da gravidade da conduta. Pode tratar-se de mera postura processual, estratégia de defesa ou exercício de um direito.

45º O tribunal não deu como como provado que o dinheiro resultasse da actividade criminosa (nº 35 dos factos provados).

46º É impossível concluir pela falta de estrutura familiar, social e profissional estável em Portugal. O tribunal apenas deu como provado que o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro “desde o ano de 2009, após ter um acidente, não trabalha, dependendo da ajuda de familiares” (nº 59 dos factos provados).

47º O grau de ilicitude há-de de se ter por desconhecido.

48º Para fixar a medida concreta da pena, o tribunal não levou em consideração que não se conhecem antecedentes criminais ao arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro (nº 58 dos factos provados. Veja-se o que consta da pág, 54 da sentença: “A favor dos arguidos Gonçalo Jorge, Afonso Miguel Martins e José Miguel, é de referir que não lhe são conhecidos antecedentes criminais no âmbito de tráfico de estupefacientes”.

49º Os artigos 71º e 40º do Código Penal impõem que ao arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro não seja aplicada pena superior a 4 anos de prisão.

50º Sobretudo tendo em conta a ausência de antecedentes criminais, é forçosa a suspensão da execução da pena, em aplicação do disposto no artigo 50º do Código Penal.

51º Nestes termos,
deve ser julgada nula a sentença, por força do que dispõe a alínea b) do nº 1 do artigo 379º do CPP;
caso assim não se entenda, mantendo-se a absolvição do arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro quanto ao crime de falsificação de documento, deve a decisão ser modificada, no sentido de o absolver da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro;
ou se assim não se entender, ser reenviado o processo para novo julgamento, para se determinar se, no período em causa, o arguido Álvaro Campos Trincheiras Monteiro vivia e trabalhava em Inglaterra, nomeadamente oficiando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal e as autoridades espanholas, conforme por ele requerido em sede de audiência de julgamento, mas indeferido pelo tribunal;
na eventualidade de assim não se entender, deve a pena ser fixada em 4 anos de prisão, suspensa na sua execução.

Nos termos do nº 5 do artigo 411º, o recorrente requer a realização de audiência, tendo em vista debater os pontos enunciados acima com as epígrafes:
- Nulidade da sentença
- Matéria erradamente dada como provada
- Irrelevância jurídico-penal do ponto nº 29
- Ponto nº 12: erradamente dado como provado
- Irrelevância jurídico-prenal dos pontos nºs 14, 15, 16, 18 a 21, 26 e 28
- Violação do artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93
- Da medida concreta da pena.

Vão as cópias (nº 6 do artigo 411º do CPP).

O Advogado,