quinta-feira

2. ACUSAÇÃO PARTICULAR (Caso A)

Proc. nº 7114/08.5TALGS
5ª Secção

Exmº Senhor
Procurador-Adjunto
Comarca de Lagos

Paulo Gilberto Costa Cristóvão Luís, ofendido nos autos acima referidos, vem apresentar a sua acusação particular, acompanhada de pedido de constituição como assistente, o que faz nos seguintes termos:

Exmº Senhor
Juiz de Direito do
Tribunal Judicial de Lagos

Paulo Gilberto Costa Cristóvão Luís, ofendido nos autos acima referidos, tendo constituído mandatário forense e procedido ao pagamento da taxa de justiça respectiva, vem mui respeitosamente requerer a V. Exª a sua constituição como assistente nos autos, deduzindo também

ACUSAÇÃO PARTICULAR

contra o arguido
Jorge Carlos Henriques Inglês Delca Pinto, solteiro, nascido em 29 de Maio de 1975, em São Sebastião, Setúbal, titular do Bilhete de Identidade nº 51677888, emitido em 5 de Julho de 2006, em Lisboa, filho de Maria Hermínia Hilário Costa Luís e de Hernâni Cristóvão Luís, empregado de mesa, residente na Avenida do Rio, nº 635, 8º andar-F, Portimão, com o nº de telefone 942561200 e domicílio profissional no Restaurante Bom Gosto, sito na Rua Jerónimo Santos, nº 321, Praia da Rocha, Portimão
porquanto:
Em 23 de Fevereiro de 2008, cerca das 23h15m, o arguido e o ofendido Paulo Gilberto Costa Cristóvão Luís encontravam-se em Lagos, no passeio da Rua Saraiva Gomes, junto a um prédio a que corresponde o número de polícia 218.
Visto que o arguido empunhava uma pedra de calçada com a qual provocava estragos num marco de correio ali existente e pertencente aos CTT – Correios de Portugal, o ofendido abordou-o, recomendando-lhe que deixasse de o fazer.
Ao que o arguido respondeu, dirigindo as seguintes palavras ao ofendido: “Seu grande cabrão. És um filho da puta. Mete-te na tua vida”.
Ao proferir estas palavras, o arguido fê-lo com o propósito de atingir o bom-nome e a reputação do ofendido, o que logrou conseguir.
O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem ciente de que a sua conduta era proibida e punida pela lei.

Assim, o arguido constituiu-se autor de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal.

Nos termos do disposto no artigo 346º do Código de Processo Penal, requer-se a tomada de declarações ao assistente Paulo Gilberto Costa Cristóvão Luís, casado, contabilista, residente na Rua das Praças, nº 423, 7º andar – esquerdo, Lisboa.

Testemunhas:
1. Nuno David Hipólito da Cruz Eustáquio, solteiro, maior, professor, residente na Rua Gabriel Pontes Seco, nº 254, 7º andar frente, Lagos
2. Fernando Miguel Contreiras Hilário, agente da Polícia de Segurança Pública nº 5176398, a prestar serviço na esquadra de Lagos
3. Márcia Manuela Silveira Antunes, agente principal da Polícia de Segurança Pública nº 3983315, a prestar serviço na esquadra de Lagos.

4 de Abril de 2008

Junta: procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de justiça.

O Advogado,
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NOTAS:1. O arrazoado é dirigido ao juiz, pois é a ele que compete decidir sobre o requerimento de constituição como assistente (artigos 68º, nº 4 e 268º, nº 1, f) do Código de Processo Penal). Do mesmo modo, é ao juiz que se requer a realização do julgamento do arguido contra quem se deduz acusação.
Todavia, como o processo ainda se encontra na fase de inquérito, deve-se, no proémio, invocar a remessa da peça ao magistrado do Ministério Público. Este é que irá encaminhá-la para o juiz. Normalmente, o procurador-adjunto pronunciar-se-á, previamente, sobre o requerimento de constituição como assistente (artigo 68º, nº 4 do Código de Processo Penal).

2. Quando está em causa um crime particular, é obrigatório constituir advogado, pois torna-se necessário assumir a posição de assistente e deduzir acusação particular: artigos 50º e 70º, nº 1 do Código de Processo Penal.

3. Neste caso, não se indica se a matéria compete a tribunal singular ou colectivo.
Há pluralidade de crimes. As regras do concurso levariam a que o julgamento fosse realizado por tribunal colectivo (artigo 77º do Código Penal e artigo 14º do Código de Processo Penal).
No entanto, desconhece-se se o Ministério Público irá ou não deduzir acusação e, na afirmativa, quais os crimes cuja prática vai imputar ao arguido. Por outro lado, ignora-se se irá recorrer ao mecanismo previsto no nº 3 do artigo 16º do Código de Processo Penal.

4. É fundamental ter presente uma realidade.
Na acusação particular, o assistente apenas se refere aos crimes particulares.
Embora na denúncia/queixa tenha aludido a crimes de natureza pública e semi-pública, os respectivos factos serão objecto de tratamento posterior.
O que está aqui em causa é a aplicação dos nºs 1 e 2 do artigo 285º do Código de Processo Penal. Há que ter em consideração também o artigo 50º do Código de Processo Penal.
No que respeita aos crimes públicos e semi-públicos, o assistente só intervém num momento ulterior. Vejam-se os artigos 284º, 48º e 49º do Código de Processo Penal.

5. É frequente verem-se acusações particulares em que se imputam crimes particulares, mas também ilícitos públicos ou semi-públicos, apresentadas antes de ser deduzida acusação pública pelo Ministério Público.
Nessa medida, a acusação será parcialmente rejeitada, por ausência de legitimidade do assistente, no momento em que é proferido o despacho de saneamento, nos termos dos artigos 311º e 312º do Código de Processo Penal.

6. O procedimento correcto é o seguinte.
O assistente é notificado para deduzir acusação particular, nos termos do nº 1 do artigo 285º do Código de Processo Penal.
Deste modo, tal libelo acusatório vai apenas versar sobre crimes de natureza particular.
Depois, o Ministério Público irá declarar se acompanha ou não a acusação particular.
Quanto aos crimes públicos e semi-públicos, o Ministério Público decidirá se acusa ou arquiva. Em caso de arquivamento, o assistente pode reagir. Requer a abertura da instrução (alínea b) do nº 1 do artigo 287º do Código de Processo Penal). Ou, então, suscita a intervenção hierárquica (artigo 278º do Código de Processo Penal).
Caso o Ministério Público acuse o arguido por crimes públicos ou semi-públicos, o assistente poderá também deduzir acusação particular quanto a estes (artigo 285º do Código de Processo Penal). Mas apenas depois de o magistrado do Ministério Público tomar posição.
Deste modo, o assistente apresenta duas acusações particulares. Num primeiro momento, por crimes particulares. Posteriormente, imputando ilícitos que não revestem essa natureza.

7. Para redigir a acusação particular, é imprescindível levar em conta o disposto no nº 3 do artigo 285º do Código de Processo Penal.
A acusação particular deve conter os mesmos elementos que tem a acusação pública proferida pelo Ministério Público. Ou sejam, os indicados no nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal.
Caso contrário, a acusação particular é nula.

8. Amiúde, refere-se algo como o seguinte: o assistente deduz acusação contra “Hermínio Pulão, id. nos autos”.
Tal não satisfaz a imposição definida na alínea a) do nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal: “indicações tendentes à identificação do arguido”.
O assistente deve ir consultar os autos, em particular o termo de identidade e residência do arguido (caso exista).
Deste modo, indicará, sempre que possível, o nome completo do arguido, a filiação, a data e o local de nascimento, a profissão, o número de bilhete de identidade e data de emissão, o estado civil e a morada.
O assistente está a pedir ao juiz que condene uma pessoa. Tem de indicar elementos que levem à sua identificação.

9. Relativamente à alínea b) do nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal, a narração deve conter os quatro elementos básicos que qualquer relato inclui:
- onde
- quando
- quem
- o quê.

10. No que concerne aos dois primeiros elementos, admite-se que haja alguma imprecisão. Mas, se for esse o caso, deve explicar-se por que motivo não se indicam, com rigor, o lugar ou o tempo.
Por exemplo, pode afirmar-se: “em momento que não foi possível determinar, mas que se situa entre as 18h00m do dia 4 de Janeiro de 2008 e as 12h00 de 19 de Janeiro de 2008”.
Ou, então, dizer: “em lugar de localização duvidosa, mas seguramente em Mafra ou Sintra”.
Assim como se pode escrever: “em sítio que não foi viável concretamente apurar, mas no trajecto entre Santarém e Coimbra”.

11. Se o lugar e o momento são conhecidos, mas não figuram na acusação, esta é nula. Apenas é viável omitir o lugar e o tempo se os autos não contiverem elementos respeitantes aos mesmos.
Por isso, o assistente deve consultar o processo e recolher todos os elementos que permitam, com o maior rigor, mencionar, se possível o lugar e o tempo.

12. “Se na acusação não consta, podendo constar, a precisa indicação dos factos e do lugar onde os mesmos foram praticados, é nula a acusação por falta de indicação de elementos a que se reporta o artigo 283º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal, devendo manter-se o despacho que rejeitou tal acusação, por manifestamente infundada, nos termos do disposto no artigo 311º, nº 2, al. a) e nº 3, al. d), também do Código de Processo Penal.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de Julho de 2006, proc. 150/2006-9, NUIPC 980/04.7 TASXL, in http://www.dgsi.pt/, texto integral em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/5c032b79a44b009c802571ab00373d64?OpenDocument&Highlight=0,seixal%20 ).

13. No momento da acusação particular, é essencial fazer alusão ao elemento subjectivo.
É necessário acusar o arguido de ter agido intencionalmente. No julgamento, o juiz determinará se tal fica ou não provado.
Nos termos dos artigos 13º e 14º do Código Penal, em princípio, apenas são puníveis os comportamentos intencionais, ou seja, dolosos.
Daí que se refira: “agiu livre, deliberada e conscientemente”. Deliberadamente significa intencionalmente, propositadamente ou dolosamente. Livremente assume o significado de que não houve coacção. Conscientemente quer dizer que não se estava perante um caso de inimputabilidade em razão de anomalia psíquica (permanente, temporária ou diminuída).

14. Do mesmo modo, também deve aludir-se à consciência da ilicitude. Dir-se-á que o arguido agiu “ciente de que, com as suas condutas, violava a lei”. Tal destina-se a prevenir a hipótese de ser invocado o erro (censurável ou não) sobre a ilicitude - cfr. artigo 17º do Código Penal.

15. É fundamental referir as normas incriminatórias, com a maior precisão possível. Não basta indicar “crime de furto, previsto e punido pelos artigos 203º e 207º do Código Penal”. É necessário aludir a “crime de furto, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 207º, a) do Código Penal”.
A falta de indicação deste elemento gera o vício da nulidade e conduz à rejeição do libelo acusatório: proémio do nº 3 do artigo 283º e alínea c) do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal.

16. Na acusação particular, indicam-se as provas, designadamente o rol de testemunhas. Caso tal não suceda, a acusação é nula e será rejeitada – proémio do nº 3 do artigo 283º e alínea c) do nº 3 do artigo 311º do Código de Processo Penal.


17. Caso o requeira, o assistente presta declarações, nos termos do artigo 346º do Código de Processo Penal.

18. O assistente não assume a qualidade de testemunha.
Tal significa que, aquando do julgamento, o assistente:
- oferece o seu depoimento, logo após as declarações do arguido (artigos 341º, 342º e 346º do Código de Processo Penal).
- não presta juramento (nº 4 do artigo 145º e nº 2 do artigo 346º do Código de Processo Penal); no caso das testemunhas, estas prestam juramento (nº 3 do artigo 138º e nº 1 do artigo 348º do Código de Processo Penal)
- responde às questões colocadas pelo juiz, podendo os advogados sugerir perguntas (artigo 346º do Código de Processo Penal); no caso das testemunhas, estas são interrogadas directamente pelo magistrado do Ministério Público e pelos advogados (nº 4 do artigo 348º do Código de Processo Penal)
- está obrigado ao dever de verdade (nº 2 do artigo 145º e nº 2 do artigo 346º do Código de Processo Penal assim como artigo 360º do Código Penal).

19. A acusação particular é forçosamente datada. É muito frequentemente não ser aposta a data. Mas tal conduz à nulidade do libelo acusatório.

20. É possível deduzir o pedido de indemnização civil, conjuntamente com a acusação particular, o que, aliás, sucede amiúde.
Contudo, como neste caso se verifica pluralidade de crimes de natureza diversa, razões de economia processual levam a considerar mais adequado apresentar o pedido indemnizatório após o Ministério Público proferir o seu despacho final. Nessa peça, o magistrado dirá se acompanha ou não a acusação particular. Poderá proceder ao arquivamento quanto a alguns ou à totalidade dos crimes públicos e semi-públicos. Do mesmo modo, cabe-lhe a faculdade de acusar quanto a estes.